Por Fernando Braga

A legislação em vigor na país veda a participação de adolescente com quatorze anos de idade no mercado de trabalho, salvo na condição de aprendiz. Isso pode mudar se for aprovada no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de autoria do ex-deputado federal Dilceu Sperafico, que terminou seu sexto mandato optando por não tentar a reeleição em 2018.

Durante sua passagem pela Câmara dos Deputados, o parlamentar propôs uma alteração na Constituição Federal, visando permitir a jovens a partir dos 14 anos o ingresso formal no mercado de trabalho sob o regime da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e com os direitos previdenciários resguardados. Em 18 de maio de 2011 chegava à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa a PEC 18/2011, de autoria do então deputado federal pelo PP do Paraná.

Sperafico tentava alterar a Carta Magna dando a ela nova redação ao inciso XXXIII de seu art. 7º, para autorizar o trabalho sob o regime de tempo parcial a partir dos quatorze anos de idade. Na época, o deputado argumentou que a limitação ao trabalho do adolescente, de acordo com sua proposta, tem como objetivo principal a garantia do tempo necessário para que ele conclua seus estudos. Segundo Sperafico, o emprego em jornada parcial demanda menos tempo do jovem se comparado ao trabalho como aprendiz.

A Consolidação das Leis Trabalhistas fixa a duração da jornada do aprendiz em até seis horas. Caso ele já tenha completado o ensino fundamental, no entanto, a carga poderá ser estendida para oito horas. O trabalho em regime parcial, por sua vez, não pode ultrapassar 25 horas por semana, o que dá uma média de cinco horas diárias.

Em declaração dada por ocasião da apresentação da PEC, Dilceu Sperafico argumentou que a mudança na legislação traz benefícios aos jovens. “A meu ver, nenhum direito do adolescente será retirado se a ele for autorizado o trabalho em tempo parcial. Ao contrário, considero que se trata de uma ampliação dos seus direitos, na medida em que formaliza o emprego daqueles que precisam trabalhar, garantindo-lhes todos os direitos trabalhistas e previdenciários”, declarou.

Dilceu Sperafico enxerga benefícios com a proposta de sua autoria. Foto: Ananda Borges/Câmara dos Deputados

PEC tramita e gera polêmica na CCJ

Pelos trâmites constitucionais, depois de apresentada, a PEC deve ser apreciada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e, se tiver parecer favorável, segue para ser examinada por uma comissão especial criada especificamente para esse fim. Depois, é encaminhada para o Plenário, onde será votada em dois turnos. Uma vez aprovada na Câmara dos Deputados, a proposta é enviada ao Senado para ser submetida também à apreciação desta Casa Legislativa.

Demorou, mas depois de 10 anos, o momento de análise chegou e a proposição deve ser votada na CCJ (durante esse longo período, a proposta foi submetida a coleta de assinaturas, foi despachada e recebeu encaminhamentos). Agora a PEC 18/2011 recebeu parecer favorável do relator da Comissão de Constituição e Justiça, o deputado do PSC Paulo Eduardo Martins, que também é do Paraná.

Como o relator deu parecer pela admissibilidade da PEC, parlamentares contrários a proposta tentaram emperrar a tramitação, obstruindo as votações na Comissão na última quarta-feira (10). Paulo Eduardo Martins, também recomendou a aprovação de outras seis propostas que podem ser apensadas a PEC 18/2011.

Entre essas outras propostas, está uma que permite que maiores de 14 anos possam trabalhar com a autorização dos pais (PEC 274/2013). Outra, que menores de 18 e maiores de 14 trabalhem, porém desde que estejam frequentando regularmente a escola (PEC 108/2015). Há, ainda, proposta que permite o trabalho já a partir dos 13 anos de idade (PEC 2/2020).

Na CCJ, Paulo Eduardo Martins é favorável a PEC 18/2011. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados

Críticas às propostas

A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) foi uma das parlamentares a comandar a obstrução. “Nós estamos aqui discutindo um dos piores ataques à infância e à adolescência. Tem que ter muito óleo de peroba para dizer que é a favor da criança e do adolescente e votar a favor da tramitação de PECs como essa. Aqui, na PEC 18, tem inconstitucionalidade flagrante. O princípio do não retrocesso social, que está na Constituição de 1988, é rasgado, é vilipendiado. E não é só um não retrocesso com relação a 1988, vocês estão voltando para o início do século 19″, disse.

Segundo a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), outras propostas em benefício de crianças e adolescentes seriam mais benéficas à sociedade. “Como alguém que vem da periferia, que estudou em escola pública, que teve que trabalhar desde os 7 anos, eu quero dizer com todas as letras: o que nossos jovens e crianças precisam é de uma lei da aprendizagem que de fato funcione. É de oportunidades na educação, de uma educação verdadeiramente integral. É de esporte, cultura, arte, oportunidades que lhes permitam quebrar o ciclo da pobreza, sonhar, e sonhar sem limites”, observou.

Clandestinidade

Já o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ) afirma que a ideia é regulamentar uma prática que é necessária para muitas famílias. “Hoje, o que acontece é que a criança, quando tem que complementar a renda dos pais, porque tem muitos pais que não conseguem trabalhos que possam suprir a necessidade de casa, vão para a clandestinidade, vão para o sinal vender bala, vai fazer malabarismo, às vezes até se prostitui”, disse.

Para o deputado Giovani Cherini (PL-RS), por outro lado, o trabalho desde cedo ajuda a formar cidadãos melhores. “Matar e roubar com 14 anos, matar e roubar com 15 anos, matar e roubar com 16 anos, pode. Somente aqueles que são a favor da desgraça, da bandidagem, é que podem imaginar que uma criança, um jovem com 14 anos não possa trabalhar. Ele vai ser um cidadão de bem, vai aprender os valores do trabalho”, afirmou.

A Comissão de Constituição e Justiça teve uma reunião deliberativa marcada para quinta-feira (11), mas esta foi cancelada. Na próxima semana está prevista para acontecer nova discussão e votação. Se as propostas que tratam da permissão de trabalho a adolescentes forem aprovadas lá, elas seguem para a análise de uma comissão especial. Depois, o Plenário da Câmara ainda precisa bater o martelo sobre o tema, em dois turnos de votação.

Veja também: Ministério Público se posiciona contrário à PEC que permite trabalho a partir dos 14 anos

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