Maria Cecília Ferreira Bárbara Weinert Ferreira Nogueira

Sancionada em 2006 pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei Maria da Penha completou 13 anos neste dia 7 de agosto. A cada ano, lembramos essa data como marco da inserção do Brasil no rol das nações dotadas de legislação específica de combate à violência doméstica e familiar, e de criação de mecanismos efetivos de proteção às mulheres em situação de violência.

            Resultado do esforço coletivo do movimento feminista, do movimento de mulheres e do poder público, por meio da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, a Lei nº 11.340 foi considerada pela ONU Mulheres como uma das três leis mais avançadas do mundo – ao lado da legislação da Espanha e do Chile –, entre os 90 países que regulamentaram a questão.

PACTO

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            Em 2007, o Governo Federal lançou o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, como resultado da II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. Esse acordo de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios foi repactuado no Paraná em julho de 2013.

            Naquele ano, como parte das ações definidas pelo novo governo para a Secretaria de Políticas para Mulheres de Toledo, o Município fez a adesão ao Pacto e assumiu uma série de compromissos. Entre outros, os de participar da Câmara Técnica de gestão estadual do Pacto, de promover a constituição e o fortalecimento da rede de atendimento às mulheres em situação de violência, e de contribuir com a articulação regional de ações pelo enfrentamento à violência contra as mulheres.

MEDIDAS PROTETIVAS

            Foram estabelecidas, deste modo, as bases que permitiram a celebração de convênio com o Tribunal de Justiça do Paraná e a instituição, em 2016, da Patrulha Maria da Penha, sob a coordenação das secretarias de Políticas para Mulheres e de Segurança e Trânsito, por meio da Guarda Municipal de Toledo.

            No curso desses 13 anos, a Lei Maria da Penha sofreu algumas alterações, entre as quais a que tipificou “o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência”, por força da Lei nº 13.641/2018. Além disso, a necessidade de estabelecer resposta frente à escalada da mais grave forma de violência contra as mulheres – o assassinato em razão de gênero –, tivemos em 2015 a edição da Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104, de 9 de março). Por alteração do art. 121, foi introduzido dispositivo no Código Penal prevendo o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e alterada a Lei nº 8.072/90 para incluí-lo no rol dos crimes hediondos.

            Em 8 de março de 2017, para citar apenas mais uma medida importante adotada nos últimos anos, o Conselho Nacional de Justiça instituiu a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, por meio da Portaria nº 15.

FEMINICÍDIO

            Apesar de todos esses esforços nos campos legislativo e institucional, a violência contra as mulheres segue em índices alarmantes, como elemento estruturante de relações desiguais na sociedade brasileira, alicerçada no colonialismo, na escravidão e no patriarcado.

            Para exemplificar a gravidade da situação, o Atlas da Violência de 2019, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em conjunto com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indica que 4.936 mulheres foram mortas em 2017, o maior número registrado desde 2007.

            Foram cerca de 13 homicídios femininos por dia, de acordo com os registros do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. De todas as mulheres assassinadas no país em 2017, 66% eram negras. E mais: “Do total de homicídios contra mulheres, 28,5% ocorrem dentro da residência (39,3% se não considerarmos os óbitos em que o local do incidente era ignorado)”, conforme destacaram os pesquisadores ao analisar o lugar de registro das mortes.

NEGRAS

            Durante a década de 2007 a 2017 houve um crescimento de 30,7% no número de homicídios de mulheres. Nesse período, a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu 29,9%, enquanto a de mulheres não negras teve crescimento de 1,6%. Tais dados evidenciam as consequências de aspectos fundantes de nossa história, em que relações sociais de produção, baseadas na desumanização em razão da cor da pele, engendraram profunda desigualdade entre brancos e negros, e entre homens e mulheres.

            Em julho deste ano, estudo inédito de pesquisadores da USP, UFMG, Universidade de Toronto, Ministério da Saúde e da organização internacional Vital Strategies, baseado em 800 mil notificações de violência contra mulheres feitas por serviços de saúde – além de 16,5 mil mortes associadas a elas, no período de 2011 a 2016 –, revelou que “mulheres brasileiras vítimas de violência física, sexual ou mental têm um risco de mortalidade oito vezes maior em comparação ao da população feminina em geral”.

ESTUPRO

            No Atlas da Violência de 2018, IPEA e FBSP já haviam divulgado dados estarrecedores sobre estupro, crime também considerado hediondo. Um total de 68% dos registros de 2016, no sistema de saúde, refere-se a estupro de menores de 14 anos. Quase um terço dos agressores de crianças de até 13 anos são amigos ou conhecidos das vítimas, e outros 30% são familiares próximos como pais, mães, padrastos e irmãos. Os pesquisadores apontaram, ainda, que quando o abusador era conhecido da vítima, 54,9% dos casos representavam ações que já vinham acontecendo anteriormente e 78,5% ocorreram na própria residência.

            Em números absolutos, o Atlas 2018 mostra que 49.497 casos de estupro foram registrados pela polícia em todo o país (11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública);  sendo 22.918 estupros nos registros do SUS. Deste modo, considerando a subnotificação, estima-se que ocorram entre 300 mil e 500 mil estupros a cada ano, com uma estimativa média entre 822 a 1.370 estupros a cada dia no Brasil.

                                                           DIGNIDADE

         Todos esses dados mostram que este não é o momento para comemorar ou para comer bolo.

            É hora de toda a sociedade refletir, em profundidade, sobre os resultados concretos da Lei Maria da Penha. Analisar criteriosamente sua efetividade e eficácia, em um contexto de retrocessos no âmbito das políticas públicas. Avaliar que sociedade é essa que estamos construindo em que, a cada dia, o valor da vida e da dignidade de pessoas é posto à prova, com declarações estapafúrdias de autoridades que incentivam mais e mais violência.

            O cenário, nos vários cantos do país, é de desmonte e desinvestimento em serviços e programas de atenção e acompanhamento de mulheres em situação de violência e seus familiares. É preciso propor alternativas e refletir sobre o que é necessário fazer para estancar (ou minimizar) as chagas que essas brutais formas de violência espalham por todo o tecido social. Violência que deixa marcas, que mutila, que causa traumas, que provoca lesões muitas vezes irreversíveis, e que mata milhares de mulheres e meninas, todos os anos, nesse país.

Maria Cecília Ferreira é advogada e mestra em Ciências Sociais. Exerceu o cargo de Secretária de Políticas para Mulheres de Toledo/PR (2013/14).

Bárbara Weinert Ferreira Nogueira é assistente social na Prefeitura Municipal de Santos/SP e mestra em Serviço Social e Política Social.