O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em seu artigo 167 tipifica uma infração de trânsito recorrente no cotidiano do motorista brasileiro. Estamos falando da ausência do uso de cinto de segurança.

Lucas Matheus Soares Stülp

Quem já foi multado por deixar de usar o cinto de segurança deve ter notado que, quando a abordagem não é realizada, na maioria das vezes consta no campo de observações frases semelhantes à “abordagem não realizada para não prejudicar o trânsito”. A finalidade do presente artigo não é questionar a validade da autuação cuja abordagem não foi realizada pelo agente fiscalizador, desde que devidamente relatada.

A regra geral permite tal situação, sendo conduta autorizada inclusive pelo CTB. Entretanto, esta regra não é aplicável para infração em discussão, por ofensa aos princípios basilares da própria legislação de trânsito.  O art. 167, CTB prevê sanção para o condutor ou passageiro que deixar de utilizar o cinto de segurança. A parte final da redação do artigo remete a outro dispositivo do CTB, mais precisamente o art. 65, que impõe a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, tanto para o condutor como aos passageiros: “É obrigatório o uso do cinto de segurança para condutor e passageiros em todas as vias do território nacional, salvo em situações regulamentadas pelo CONTRAN”.

A sanção prevista no art. 167 do CTB é a aplicação da penalidade de multa e da medida administrativa de retenção do veículo até colocação do equipamento (cinto de segurança). Veja, o CTB não concedeu qualquer discricionariedade para o ato, ou seja, não possibilitou ao agente de trânsito escolher entre qual das medidas adotar. Haveria discricionariedade se o texto fosse o seguinte: “poderá o veículo ser retido”. Disto se conclui que a abordagem e a adoção da medida administrativa são condutas obrigatórias. Isto decorre dos princípios estampados pelo Código de Trânsito Brasileiro.

O objetivo da legislação de trânsito é a proteção da vida e a incolumidade física dos condutores e pedestres. Inclusive, o § 1o do art. 269 dispõe que “as medidas administrativas adotadas pelas autoridades de trânsito e seus agentes terão por objetivo prioritário a proteção à vida e à incolumidade física da pessoa”. Não é por menos, pois a medida administrativa tem por objetivo corrigir o ato ilícito praticado, evitando futuros acidentes.

Não teria razão de existir a medida administrativa para o artigo em tela se não fosse para cumprir o § 1o do artigo 269, do CTB.A conclusão é que a arrecadação do valor da multa torna-se objetivo acessório à medida administrativa, que passa ser a sanção principal. Para exemplificar o argumentado até o momento, é importante mencionar uma situação hipotética imaginada pelo Advogado e Professor Vagner Oliveira: “O agente fiscalizador observa que o passageiro de um veículo, uma criança de 8 anos de idade, não está utilizando o cinto de segurança.

Em vez de emitir a ordem de parada e aplicar a medida administrativa de RETENÇÃO DO VEÍCULO ATÉ A COLOCAÇÃO DO CINTO PELO INFRATOR, ele apenas lavra a autuação. Duas quadras adiante, o veículo a 40 km/h, colide na traseira de um ônibus parado no semáforo. Com o impacto, a criança é arremessada para frente com cerca de 20 vezes o seu próprio peso, vindo a óbito por ocasião das fraturas sofridas no pescoço e coluna. ”

Agora proponho o seguinte questionamento: no caso hipotético a autuação cumpriu o objetivo de proteger a vida e a incolumidade física dos ocupantes, mandamento expresso no § 1o do art. 269 do CTB, ou prestou-se a aplicar a sanção pecuniária? Por todos os motivos expostos, é que a conduta do agente de trânsito que deixa de abordar o veículo e, consequentemente não aplica a medida administrativa (retenção do veículo até uso do cinto), limitando-se apenas a aplicar a multa, é ato nulo, pois não observa os principais objetivos da legislação de trânsito brasileira.