Desliguei meu rádio pela décima vez nos últimos quatro minutos. Eu não sou um exímio homem de esperar, mas neste exato momento eu gostaria de ser. O termômetro no painel do meu carro já marca quarenta, uma pena a temperatura não ser medida em quilômetros por hora, pois assim não estaria passando dos dez. Está fazendo tanto calor que nenhum vento, nenhunzinho, se atreve a atrapalhar tamanha exibição de poder de um sol escaldante de onze horas inteiras em pleno sábado.
Eu saí de casa para comprar alguns itens que me apetecem em momentos de preguiça, detalhe que não eram nem onze, agora já são onze e meu paladar só será apetecido com grandes quantidades de comidas industrializadas e ricas em gorduras saturadas. Acontece que hoje uma torrente de pessoas que tem um pensamento lento e relapso demais para realizar tarefa simples como acelerar o carro e coloca-lo em uma vaga de supermercado, por sinal alimento pavor das mesmas, resolveu enriquecer sua dieta com mercadorias frescas no mesmo horário que eu.
- Tudo bem, é melhor eu ir com calma – ligo o rádio – quem sabe eu consiga pôr os nervos no lugar ouvindo alguma rádio qualquer – disse eu em uníssono comigo mesmo.
“Corona vírus já matou mais de 13 mil pessoas no Brasil”.
- Hoje não é o meu dia- Não consigo me segurar, novamente desligo o rádio, é difícil manter a calma e a sanidade sendo bombardeado por notícias sensacionalistas sobre essa pandemia – Apenas querem nos amedrontar! Todos eles! Todos podres!
Já estou na terceira volta nesse limbo automobilístico que se chama estacionamento e nada de vagas para deixar o meu carro. Não existe sequer uma pessoa querendo ir para o conforto do seu lar para desfrutar de suas malditas compras e me dar um humilde lugarzinho para deixar meu pobre meio de transporte estacionado.
O relógio marca onze e dois, bati a marca das quatro voltas pelo estacionamento, estou entrando em parafuso, já não sei se conseguirei suportar mais um misero minuto.
- Achei! – Exclamei para mim – Até que enfim!
Não estou cabendo em mim de alegria! É chegado o esperado momento, já estou até me vendo segurando o carrinho de compras na mão e a lista de compras na outra.
“É melhor eu ligar o alerta e sinalizar que eu estou esperando”, penso comigo.
O carro está se locomovendo, de maneira suave, como uma brisa de verão, trazendo a boa nova e um fio de esperança para mim. Ele arranca e segue a sua vida de “recém abastecido com alimentos”.
- Graças a Deus! – Suspiro aliviado enquanto estaciono – pensei que nunca chegaria meu dia…
Abro a porta e dou de cara com o vapor escaldante que me entra pelas narinas, circulam em meus pulmões, como é doce o sopro da vida, escaldante claro, mas doce. Nada pode me abalar, agora que sou um homem devidamente estacionado de forma honesta. Nem mesmo o fato da minha chave ter caído ao sair.
- Mas que… – não consegui terminar a frase de tristeza e desespero.
Ao menos que eu tivesse uns sessenta anos, esse não é o lugar para o meu carro.
- Malditos sexagenários! – Gritei – Já não basta me roubar o lugar na fila do banco!
Uma senhorinha, coitada, me olha com desaprovação e sai resmungando palavras sobre “falta de respeito” e “jovens de hoje”. Confesso estar envergonhado, mas, ainda sim, nervoso.
Entro no carro quase em prantos. Já são quase onze e três e eu sequer estacionei o meu carro, meu almoço de sábado estava fadado ao fracasso.
Ao dar ré eu avisto outro nobre cidadão, desse meu país amado, terminando de carregar as compras e se dirigindo para a porta do motorista. Acredito que não haverá chance melhor que essa em décadas.
Arranco com meu carro para a volta olímpica, para mim isso vale tanto quanto uma conquista de um título. É sim um título pessoal, pelo menos para mim, sou vitorioso, o único naquela vaga que está por ser liberada.
Bom, creio que tudo irá se ajeitar agora. Parece estar demorando, talvez essa pessoa seja muito cuidadosa em seus hábitos de direção, gosta de checar o cinto, os retrovisores, ligar a música, ajustar o banco, ajustar o volante, vaidade sempre cai bem em momentos oportunos, principalmente quando se está fazendo quarenta graus e meu almoço está atrasado. Acho que estou começando a perder a paciência.
Já passam das onze e quatro, eu não posso acreditar que essa pessoa ainda está parada. Já se passaram seis minutos e dezessete segundos que esta pessoa que vos fala está dentro do carro, mas ainda não estou completamente sem paciência, acho que vou ligar o rádio para suavizar essa tortura que se chama esperar.
Ligo o rádio.
“Fiquem com o mais novo sucesso musical brasileiro…”
“E eu implorei pra voltar, e ela me matou na unha, disse que eu tava solteiro…”
- Meu Deus!
Desligo o rádio.
Melhor não, mas talvez sim.
Ligo o rádio e mudo de estação.
“Hoje o dia será maravilhoso para Capricórnio”.
- Quem me dera! Já estou há exatos 5 minutos em um maldito estacionamento de mercado!
Mudo de estação pela última vez, e prometo para mim que será a última.
“Vereadora Zarli do Escort critica as calças de outro vereador na tribuna”
“Vereadores quase se estapeiam”
- Cruzes – Desligo o rádio por definitivo.
Eu não estou acreditando em meus olhos, a pessoa saiu do carro e voltou para o mercado, por que me fez esperar tanto? Qual deleite tem uma pessoa com tamanha sociopatia ao tomar uma atitude dessas? Essa pessoa é doentia demais para mim e deve ser removida do convívio social.
- Seu bandido! – grito.
Afundo a mão na buzina, mas a pessoa criminosa, em questão, nem liga. Acho que quero atropelar, passar em cima e usá-la como estacionamento para ver se aprende a ser alguém que se preze.
Agora acho que perdi a paciência. Estou em parafusos e triste por não conseguir estacionar nesta maldita vaga.
Claro que eu não atropelei a pessoa, foi só um pensamento ruim, fútil e merecido, mas foi.
O carro logo ao lado dá ré!
É agora, serei só eu e minha vaguinha. Ele começa a fazer a manobra, mas está chegando perigosamente perto do meu carro, acho que ele não percebeu que eu estava atrás, dou ré muito rápido, as vezes me impressiono com o meu reflexo de gato, mas afasto a tempo.
Essa manobra me custou tamanho espaço que a vaga ficou em aberto e algum desgraçado, energúmeno, mentecapto rouba minha vaga. Agora eu me perdi de vez. Não tenho mais esperanças de viver em paz, está tudo acabado. Onze e sete de um sábado e eu sem estacionamento, com fome e calor, só pode ser brincadeira, com certeza alguém está preparando uma brincadeira de mau gosto.
Olho para o relógio mais uma vez e este marca onze e oito, não posso acreditar no que eu estou vendo.
- Vou embora! Não quero mais isso! – Saio cantando os pneus e buzinando.
Chego na saída, atravesso a rua e entro no acesso do meu prédio. Pego o controle do meu portão, tremendo de raiva e frustração, abro-o e coloco meu carro na garagem.
- Quer ajuda com as compras, amor? – Minha esposa pergunta.
-
Não consegui estacionamento naquele mercado fajuto, fiquei mais de oito minutos e não consegui uma vaga sequer! – fiz um muxoxo antes de terminar – nunca mais ponho os pés naquela espelunca!
Vou para meu quarto direto sem olhar para trás e ligo o ar condicionado sem pestanejar.
- Odeio o verão.
Bruno Gregório – Leitor, pesquisador e líder da juventude Cristã – MCC
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