Novos termos, como “definhamento” e “fadiga pandêmica”, ajudam a explicar o momento atual. Confira dicas e estratégias de enfrentamento e cuidado
Nunca se falou tanto em saúde mental. Antes mesmo de a pandemia se tornar parte da vida de praticamente toda a população do planeta, os números já eram alarmantes. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a ansiedade afeta 18,6 milhões de brasileiros e os transtornos mentais são responsáveis por mais de um terço do número de pessoas incapacitadas nas Américas. A Covid-19 fez não só com que esses transtornos se agravassem, mas também trouxe novas questões. Na tentativa de entender o contexto, especialistas criaram termos para dar nome aos sentimentos e ao estado psíquico que muita gente tem vivenciado.
Fadiga pandêmica, por exemplo, é a terminologia adotada pela OMS para designar o cansaço e o esgotamento físico e mental provocados pela pandemia. As restrições na vida social, financeira, entre outras dimensões, aumentam a falta de perspectiva e diminuem o poder de planejamento. Nada disso é, em si, um sério transtorno psíquico, mas esse tipo de sofrimento prolongado pode, segundo a organização, gerar ansiedade, depressão e insônia, mesmo em quem não apresentava qualquer tendência prévia.
Como identificar fadiga pandêmcia: Especialista do HC-UFPE explica o que é a fadiga pandêmica
Outra expressão que ganhou popularidade foi o definhamento (“languishing”, no termo original, em inglês), criada pelo psicólogo inglês Adam Grant. Os sintomas mais comuns são: estagnação, falta de propósito e de motivação, dificuldade de concentração e queda de rendimento no trabalho. Para ele, essa falta de alegria e de objetivos, ou seja, o vazio, está entre o bem-estar e a depressão. Em outras palavras, não há uma doença mental instalada, mas tampouco indicativos de boa saúde. Dialogando com o conceito de fadiga pandêmica, o definhamento também é um sinal de alerta, pois pode se transformar em depressão e ansiedade no futuro, de acordo com o criador.
O que dizem os especialistas
Para o coordenador-geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, Rafael Bernardon, por um lado, trata-se de “novos termos para questões antigas”. “Estresse agudo, crônico e pós-traumático e síndrome de burnout, por exemplo, são fenômenos conhecidos. E a pandemia é uma grande causadora desses episódios”, explica. Por outro lado, o psiquiatra reconhece que a pandemia de covid-19 é inédita no mundo globalizado, afeta todos os países e produz novas necessidades de adaptação. Nesse cenário, a adoção dessas nomenclaturas pode ajudar a entender particularidades que vão além dos transtornos conhecidos.
A psicóloga Miriam Trudo concorda com os novos termos e diz que reconhece todos os sintomas mencionados nos pacientes que atende – em sua maioria, crianças e adolescentes – e que o reflexo disso ainda será entendido e sentido por muito tempo. “A pandemia nos tirou muitas coisas, mas principalmente nos roubou a rotina, e sem previsão de retorno”, pontua.
Questões recorrentes
A desesperança é um dos sentimentos mais presentes nos atendimentos feitos por Miriam, e impacta o humor e a disposição. “É muito significativo ter tantos jovens sem perspectiva, deixando de fazer projetos futuros”, lamenta a psicóloga. Outra emoção recorrente é o medo, que, segundo a profissional, é um dos sentimentos mais importantes do ser humano, pois induz a autopreservação, mas apenas quando não está em níveis alarmantes. “O medo deixou de preservar para paralisar, é um medo patológico, e impede os pacientes de realizar”, explica.
Na prática, a pandemia acabou intensificando os quadros de ansiedade e depressão e desestabilizando doenças pré-existentes que estavam controladas. Além disso, novos casos proliferaram e a busca por tratamento aumentou. “E o número de pessoas com questões psicológicas provavelmente é muito maior, pois muitos não buscam ajuda”, comenta. Entre os elementos novos que entraram na equação por meio da covid-19 está o peso do luto, pois algumas famílias perderam muitos membros, por vezes mais de uma pessoa ao mesmo tempo, sem a possibilidade de velar o corpo com os entes queridos.
Outro ponto importante é o impacto profundo na interação social. “As pessoas reagem de maneiras diferentes ao distanciamento, mas, via de regra, somos todos animais sociais”, pondera Rafael Bernardon. “Agora estamos começando a flexibilizar a convivência nos círculos mais íntimos, mas seguimos vivendo com restrições junto aos contatos expandidos, nesse ‘novo normal’ em que temos que reiventar essas relações”, diz.
Nesse contexto, a internet ganhou ainda mais importância como uma solução para estar próximo de familiares e amigos, mesmo estando longe. Porém, o uso excessivo dos meios online também teve consequências. “Redes sociais podem ser grandes armadilhas, pois trazem muito a ideia de comparação e um imediatismo que não cabe na vida offline, que não ocorre na mesma velocidade. Tudo isso pode gerar frustrações, estresse e sofrimento crônico”, pondera o coordenador, que também lembra da “enxurrada de informações”, entre elas as notícias falsas, às quais as pessoas estão expostas, outra grande fonte de ansiedade.
E não é só o ambiente da pandemia que causa alterações na saúde mental, mas a própria doença também. Alguns estudos mostram que cerca de 30% das pessoas que tiveram covid-19 vão desenvolver algum sintoma psiquiátrico, como lembra Bernardon. “A covid-19 é uma doença nova, e muito ainda está sendo pesquisado. Mas já sabemos que há pessoas desenvolvendo sintomas que não tinham antes, como distúrbios do humor, ansiedade, indisposição (fadiga crônica), problemas de memória e dores crônicas. Inclusive, pedimos que as pessoas com esses sintomas residuais procurem o SUS, para que a gente entenda melhor esses quadros e ofereça assistência”, convida.
Estratégias
O coordenador-geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde lembra que o primeiro passo para enfrentar essas situações é reconhecer a necessidade de ajuda e procurar um profissional. “O atendimento começa na Atenção Primária, na unidade básica de saúde mais próxima da sua casa”, orienta Bernardon. Ele defende que, quanto mais cedo for feito o diagnóstico, desde os primeiros sinais, melhor para evitar que o quadro se torne crônico. “Nosso papel, junto aos estados e municípios, é aumentar o conhecimento e a capacidade de detecção dos profissionais”, afirma.
Miriam Trudo ressalta a importância do Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente no atual contexto, alinhada a outras políticas públicas que impactam direta ou indiretamente na saúde mental, como o acesso à boa alimentação e a empregos. “Muitas famílias sofreram impactos econômicos decorrentes da pandemia, e as condições externas também influenciam na recuperação”, afirma.
Ela também pede que as famílias fiquem atentas a sinais e que apoiem os filhos na busca por cuidados de saúde mental. “Tem adolescentes que chegam aqui dizendo que o pai acha que psicólogo é coisa de louco e é melhor ir lavar a louça, sendo que estamos falando de questões muito delicadas, que podem ter consequências sérias e irreversíveis”, alerta.
Confira, abaixo, as dicas dos entrevistados:
- Tenha pequenos momentos de lazer, que te tragam satisfação
- Cuidado com o uso de substâncias tóxicas, como álcool, tabaco e outras drogas
- Cuidado com as cobranças digitais
- Separe o lazer do trabalho e não fique online o tempo inteiro
- Cuide do sono e escolha ambientes escuros para dormir
- Identificar os sinais de que saúde mental não vai bem é o primeiro (e fundamental) passo. Alguns deles são: perda de prazer em atividades que você gosta, alterações no sono e no apetite e grande dificuldade de concentração
- Procure ajuda médica sempre que necessário, e não tente resolver tudo sozinho(a). Todo sofrimento pode e deve ser aliviado, e o SUS oferece atendimento nas UBS, nos CAPS e nos ambulatórios de saúde mental
- Se você não conseguir criar vínculo com o primeiro psicólogo que te atender, não desista. O vínculo é importante para o tratamento, e é possível conseguir isso com outro profissional e/ou outra abordagem terapêutica
- Por outro lado, trabalhe as expectativas: não é sempre que o paciente sai sorrindo da sessão, e não há fórmula mágica e rápida, pois se mexe com feridas emocionais profundas. Valorize o processo
- Se for necessário fazer uso de medicação, seja paciente, pois o resultado não é imediato, e pode ser que você não se adapte ao primeiro remédio. Comunique isso ao seu médico e persista. Se possível, alie o medicamento à terapia
- O paciente precisa ser ativo no processo de melhora. Ele(a) e os profissionais de saúde são uma equipe
Fonte:Laísa Queiroz, Ministério da Saúde. Crédito foto principal: Myke Sena/MS