A Festa da Exaltação da Santa Cruz nos convida a contemplar com profundidade um paradoxo: o sinal de morte se torna, pela fé, sinal de vida. Aquilo que o mundo associaria à derrota — a cruz — é, na lógica de Deus, o trono da misericórdia, o ápice do amor redentor, a porta aberta para a salvação eterna.
A Oração da Coleta da liturgia de hoje expressa com clareza essa inversão divina: Concedei que, tendo conhecido na terra este mistério, mereçamos alcançar no céu o prêmio da redenção. Conhecer o mistério da cruz é, antes de tudo, se deixar tocar por esse amor que se esvazia e se entrega, que não exige nada, mas se doa completamente. É aceitar que Deus, em sua compaixão infinita, transformou o sofrimento humano em caminho de esperança.
A cruz não é um ícone de violência glorificada, nem um estandarte de dominação, como muitas vezes foi deturpada ao longo da história. Ela é, sim, o sinal do amor que se humilha, do servo que se faz último para salvar a todos. Em uma época em que o nome de Deus é tantas vezes invocado para justificar ódios, exclusões e guerras, a cruz nos recorda que o verdadeiro Deus é aquele que se deixou crucificar, não para condenar, mas para salvar.
A narrativa do Êxodo nos ajuda a entender essa travessia: o povo caminha pelo deserto, carrega as feridas da escravidão, experimenta fome, sede, desânimo — e se rebela. Eles olham para o passado com saudade e para o futuro com medo. É nesse contexto que Deus, por meio da serpente de bronze erguida por Moisés, oferece cura para os que olham com fé. Jesus retoma essa imagem ao dizer a Nicodemos que o Filho do Homem também será levantado, “para que todo aquele que nele crê tenha a vida eterna” (Jo 3,15).
O que antes era símbolo de castigo se torna instrumento de salvação. Mas há um passo a mais: não basta contemplar a cruz — é preciso crer naquele que nela foi erguido, e mais ainda, se deixar transformar por esse amor. Crer não é apenas aceitar uma doutrina, mas é confiar na lógica divina, é permitir que a cruz nos converta à compaixão.
São Paulo resume isso em sua carta aos Filipenses: Cristo, embora fosse Deus, se esvaziou, assumiu a forma de servo, tornou-se obediente até a morte, e morte de cruz (Fl 2,6-8), e por isso, Deus o exaltou. Essa é a verdadeira exaltação: não a que se busca por mérito ou orgulho, mas aquela que nasce da humildade e do dom de si.
Hoje, ao exaltarmos a Santa Cruz, somos chamados não a levantar um símbolo triunfalista, mas a fazer da nossa vida uma resposta àquele amor que nela se entregou. O mundo já viu cruzes demais erigidas para ameaçar ou dividir. O que falta é ver mais vidas moldadas pela cruz do amor: pessoas dispostas a servir, a perdoar, a oferecer consolo, a dar sem esperar retorno.
A exaltação da cruz se torna, então, um compromisso: viver de modo que a nossa existência aponte para Cristo, não com palavras impositivas ou gestos grandiosos, mas com uma caridade concreta, silenciosa, natural — fruto daquele amor que recebemos primeiro.
Porque a cruz de Cristo é, por fim, o altar onde Deus diz ao mundo: Eu te amei até o fim. E se realmente cremos nisso, somos chamados a amar também assim.
Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos, porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo. Amém.
Dom João Carlos Seneme, css
Bispo de Toledo