Já faz algum tempo, creio que uns doze anos, que um velho amigo meu, chamado Daniel, havia me contato uma historieta que circulava no meio habitado pelos “sinhôs dotôs”. A historieta era mais ou menos assim: em algum lugar da vastidão celeste havia um anjo que estava um tanto acabrunhado. Um serafim, vendo-o em agonia, chegou junto dele para assuntar. “Salve Anjo velho”! “Salve seu Querubim”. “Por que você está, assim, tão apoquentado, arrastando as asas”? “Você não viu”? “Não vi o quê”? “Deus”! “O que tem Ele”? “Ele anda se achando demais, você não acha”? “Ué, mas Ele é Ele. Onipotente, Onisciente, Onipresente”. “Não, mas Ele está diferente. Está se achando demais”. “Como assim”? “Ele está pensando que é um Ministro do STF”.

Na época, quando meu querido amigo havia me contado esse gracejo, não havia achado que o causo fosse, assim, tão engraçado; hoje, menos ainda, tendo em vista todos os acontecimentos que envolveram o Deputado Federal Daniel Silveira que, por sua vez, foi a cereja do bolo pútrido confeitado com as inúmeras estripulias, políticas e jurídicas, que vinham sendo feitas por alguns lagostíssimos togados.

E vejam só: não é uma questão de concordarmos com o que o referido parlamentar declarou, nem de assinarmos embaixo das palavras que ele parlou. A questão é acharmos bonito e democrático calarmos alguém porque simplesmente temos meios para fazer isso à margem do bom senso e ao arrepio da lei.

E lembremos de uma coisa importantíssima: o fato de não concordarmos com alguém, ou de sentirmo-nos indignados com o que alguém declara não nos autoriza calar o autor das opiniões das quais divergimos e que, porventura, possam nos causar indignação (excetuando, é claro, os casos previstos em lei). Aliás, já pensou se Deus agisse tal qual um lagostíssimo ministro do STF frente às inúmeras ofensas que são proferidas contra Ele? Já pensou nisso? É por isso que, como disse o Papa Francisco no primeiro dia do seu pontificado, o mundo só existe por causa da misericórdia de Deus.

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Voltando ao ponto, não precisamos concordar com cada uma das palavras que o senhor Silveira disse em seu vídeo para defender o direito dele se manifestar; também não é necessário que apreciemos a forma como ele fez isso.  Na verdade, devemos defender o direito de ele dizer o que pensa justamente por não concordarmos com todas as palavras que ele proferiu e por não nos sentirmos confortáveis com a forma como ele o fez, principalmente os lagostíssimos togados deveriam garantir que ele, o deputado, pudesse fazer o que fez, pois, tal garantia, em épocas um pouco mais divertidas, era entendida como liberdade de expressão.

E o engraçado é que a única coisa que se fala na grande mídia é que o tal deputado, que mais parece um cosplay careca do Conan, teria realizado um “ato antidemocrático” por meio de um “discurso de ódio”.

Pois é. Sempre a mesma lenga-lenga. Uma lenga-lenga calculada para censurar todo e qualquer desafeto político, calando-os e fazendo-os parecer criminosos por terem dito o que supostamente não deveriam ter sido dito.

Abre um parêntese. Seja como for, seja onde for, um censor que se preze sempre faz o censurado parecer um transgressor, uma pessoa odienta, abjeta e perigosíssima. Fecha parêntese.

Mas há algo que foi dito pelo deputado que, penso eu, deveria ser destacado, mas não o foi. Ele desafiou os lagostíssimos togados. Desafiou-os não para um duelo, nem para uma queda de braço, muito menos para uma luta de MMA. Ele os desafiou para um debate sobre direito e filosofia do direito. Fato esse que foi varrido para debaixo do tapete midiático, todavia, seria interessante ver um deputado e um ministro, com “notório saber jurídico”, cara a cara, sem assessores e sem cortes, debatendo algo.

E tem outra: se eu fosse um parlamentar – e, graças ao bom Deus, eu não sou – teria destacado esse fato na tribuna do Congresso Nacional e, principalmente, teria lembrado que os supremos, ao que parece, preferem trocar “figurinhas democráticas e iluministas” com o Felipe Neto.

Diante disso, sou obrigado a concordar com Lula, quando esse senhor havia dito que os membros da Suprema Corte são todos acovardados. É Lula. Você estava e está certo.

Outra coisa que poderia ser feita: uns duzentos, ou trezentos deputados federais, e mais uns pares de deputados estaduais, poderiam, como sugeriu o escritor Flávio Morgenstern, gravar um vídeo lendo um texto, com as mesmíssimas palavras que foram ditas pelo deputado Conan Daniel, só pra ver se os lagostíssimos iriam prendê-los também, democraticamente, com um “mandado de prisão em flagrante” com base na Lei de Segurança Nacional, agindo ao mesmo tempo como vítima, acusador e julgador. Pois é. Mas isso não aconteceu e, creio eu, não acontecerá.

E, mais uma vez, digo e repito, que não preciso concordar com tudo que o senhor Daniel Silveira disse, nem aprovar o que ele fez para defender o direito que ele tem de dizê-lo e fazê-lo, mas é preciso ser muito caipora para ficar batendo palminha para essa opereta bufa que foi armada pela suprema tirania federal dos vetustos crustáceos decápodes.

Por fim, certa feita o escritor italiano Luigi Pirandello havia indagado: vassuncê tem ideia de quanto mal nós fazemos por causa dessa maldita necessidade de falar? Não sei. Mas não deve ser pouca coisa não. Porém, esse mal é muitíssimo menor do que a desgraça que é causada por essa amaldiçoada mania de silenciar a voz outrem, ao som das palmas que são batidas para festejar o ato de calar.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela