Por Marcos Antonio Santos
“Ainda existe muita desigualdade. Há cargos que simplesmente não são destinados a nós. Sabemos de empresas que sequer entrevistam pessoas negras para funções de alto escalão”, diz Eliana Massola
Nesta quinta-feira, 20, o Brasil celebra o Dia da Consciência Negra, data que marca a resistência do povo negro e homenageia Zumbi dos Palmares, símbolo da luta contra a escravidão. A data, hoje feriado nacional, reforça a importância de promover igualdade racial, combater o racismo estrutural e resgatar a memória da população negra que contribuiu — e continua contribuindo — para a construção do país.
A secretária da Mulher, Eliane Bombardeli, explica que a mulher negra ainda enfrenta preconceito em Toledo. Segundo ela, o município também convive com a discriminação racial, algo reforçado pelas falas do Conselho da Igualdade Racial, que aponta que pessoas negras seguem sofrendo racismo no dia a dia. Eliane destaca que a Secretaria da Mulher tem o compromisso de promover conscientização e igualdade, especialmente porque, de acordo com dados nacionais, as mulheres negras são as que mais sofrem violência doméstica e são as principais vítimas de feminicídio, além de enfrentarem maior desigualdade no mercado de trabalho. Em muitos processos seletivos, observa, a mulher branca ainda é preferida em relação à mulher negra.
Para a secretária, a mudança é possível, desde que a sociedade seja educada para o respeito e a empatia. “Todos somos seres humanos com as mesmas capacidades, necessidades e direitos, e que é preciso romper com a visão histórica que coloca a mulher negra em posição subalterna — consequência de uma cultura machista e racista que remonta ao período da escravidão”. Eliane afirma que a mulher negra precisa provar mais sua capacidade para ser reconhecida da mesma forma que uma mulher branca, mesmo quando está em condições iguais de qualificação.
COMPIR – Em Toledo, o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir) atua para fortalecer esse diálogo e trazer visibilidade às pautas da comunidade negra. A Gazeta de Toledo conversou com a presidente do Compir, Eliana Massola, que falou sobre avanços, desafios e o significado desta data para o município.
Entrevista

Gazeta de Toledo: Dia da Consciência Negra. Temos o que comemorar?
Eliana Massola: “Temos, sim. Este momento que estamos vivendo não é apenas um evento: é um marco na história de Toledo. Um marco de reparação e, principalmente, de memória. É lembrar que aqui sempre houve pessoas afrodescendentes e que essa história precisa ser resgatada. O que está acontecendo hoje serve para reforçar que não só estivemos aqui, como ainda fazemos parte da construção do município. Mas é claro que ainda existem muitos percalços. Eu mesma já sofri racismo em diferentes espaços, inclusive por pessoas consideradas intelectuais. Muitas vezes o racismo aparece de forma tão natural que quem o pratica acha que pedir desculpas resolve tudo. Não há preocupação com a saúde mental da pessoa negra. Como lidar com aquilo que ouviram? Temos casos sérios de sofrimento psicológico causado pelo racismo, e isso precisa ser debatido com seriedade”.
Gazeta: Depois que o Dia da Consciência Negra passou a ser feriado nacional, você acredita que houve mais visibilidade ou respeito?
Eliana: “Houve mais visibilidade, sem dúvida, mas respeito ainda é algo distante. Muitas pessoas aceitam a data, outras questionam, outras simplesmente ignoram. Muita gente não sabe por que o dia existe, quem foram os líderes, quem iniciou essa luta. Ainda falta muito para que a sociedade compreenda a importância dessa data, mas cada passo é válido. Precisamos aproveitar essa oportunidade para dar movimento à pauta racial e manter o tema em discussão no país”.
Gazeta: E sobre o mercado de trabalho, tanto público quanto privado, como você avalia a situação em Toledo?
Eliana: “Ainda existe muita desigualdade. Há cargos que simplesmente não são destinados a nós. Sabemos de empresas que sequer entrevistam pessoas negras para funções de alto escalão — mesmo quando essas pessoas têm formação, competência e preparo. Isso é muito triste. A falta de oportunidade ainda nos impede de acessar espaços que deveriam estar abertos a todos”.
Gazeta: Existe a possibilidade de mudança? Podemos esperar avanços reais?
Eliana: “Sonhar, nós sonhamos. E fazer, estamos fazendo. Nosso papel é plantar essa semente, provocar reflexão, trazer discussão. Mas ainda percebemos que o interesse da sociedade é muito baixo. Nem todas as autoridades e lideranças comparecem aos eventos; muitas pessoas simplesmente não se envolvem. Isso mostra que ainda temos muito chão pela frente. Mas seguimos firmes, porque a mudança só acontece quando insistimos nela”.

Sem ouvir a população negra, não há como criar políticas públicas eficazes, diz advogado haitiano residente em Toledo
No contexto do Dia da Consciência Negra, celebrado nesta quinta-feira, 20 de novembro, diferentes vozes reforçam a importância da representatividade, da escuta e da participação da população negra nas decisões públicas. Entre elas está o advogado Pierre Erick Bruny, nascido no Haiti e residente em Toledo, que destaca a necessidade de igualdade real, reconhecimento histórico e inclusão política.
“Infelizmente, ainda há muito a ser feito para que exista verdadeira igualdade. No Brasil, não deveria haver receio em garantir respeito, pois a própria Constituição Federal de 1988 tem como base a dignidade da pessoa humana. Isso vale para qualquer pessoa. Mas, quando olhamos para as instituições, percebemos o problema da representatividade. Temos mais de 500 deputados federais, mas quantos deles são negros? Esse é um ponto muito sério”.
SER OUVIDOS – Ele disse que em muitos eventos, autoridades comparecem apenas para falar, mas não para ouvir. “Já participei de encontros municipais e federais, e a situação é sempre parecida: o presidente fala e vai embora, o prefeito fala e sai, o vereador fala e não fica para escutar o que o povo negro tem a dizer. E se nossos representantes não nos escutam, como vão elaborar políticas públicas que atendam às nossas necessidades?”.
IMIGRANTES – Para Pierre, também é preciso lembrar dos imigrantes negros, que enfrentam dificuldades adicionais. “E, mesmo sendo a maioria da população brasileira, segundo os dados oficiais, os negros ainda não têm a representatividade que deveriam ter. Não é só uma questão de ‘não nos deixarem entrar’. Os negros também precisam reconhecer seu papel, sua identidade, sua força histórica e cultural”.
CULTURA – O advogado lembra que a história do Brasil mostra que grande parte das expressões culturais — funk, MPB, samba, candomblé, capoeira — tem origem negra. “Mas ainda falta organização da própria população negra. Se somos maioria, por que não estamos ocupando mais espaços de decisão? Precisamos nos organizar para estar nas instituições, para ter poder e definir qual sociedade queremos construir”.
VIOLÊNCIA – Conforme Pierre, se as coisas continuarem como estão, continuaremos sendo representados por outros, “e seguiremos sofrendo as consequências disso. Quem mais sofre violência no Brasil? Os negros. Quem mais sofre violência policial? Os negros. Quem mais sofre violência doméstica? As mulheres negras. Para mudar essa realidade, é preciso políticas públicas construídas com participação dos negros, e não apenas para os negros”, conclui Pierre Erick Bruny.





