Foto: Divulgação/Consamu

Pediatra e secretária de Saúde, a Dra. Gabriela Kuchasrki conta onde estão os perigos e explica quais cuidados são necessários

Por Fernando Braga

Um incidente ocorrido em Toledo na tarde de quarta-feira (31/08) vitimou uma criança e quase tirou sua vida, gerando grande repercussão – e comoção – em toda a região. Buscamos entender o que aconteceu e ouvimos várias pessoas, entre testemunhas e profissionais de saúde, a respeito da parada cardiorrespiratória sofrida pelo menino que engasgou ao comer uma uva.

A criança estava na escola e os funcionários agiram rápido ao acionar o Samu, cuja agilidade da equipe foi imprescindível para salvar o garoto que tem idade aproximada de cinco anos. O menino foi levado para o interior da ambulância, enquanto aflição e desespero tomavam conta das pessoas que estavam presentes, incluindo sua mãe e o seu pai, que foram chamados às pressas e chegaram a tempo de ver o socorro ser prestado.

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Depois de reanimada, a criança foi encaminhada ao Huop (Hospital Universitário do Oeste do Paraná), em Cascavel. Obtivemos a confirmação da direção do hospital de que o menino segue internado, o que nos leva a crer que sua condição inspira cuidados.

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Diante do ocorrido, muitas perguntas surgiram. Frutas pequenas, como a uva, representam perigo na alimentação das crianças? As escolas estão preparadas para lidar com situações como essa? O que os pediatras recomendam?

Apesar do lamentável incidente ter ocorrido em uma escola particular, poderia ter acontecido em qualquer outro lugar, e por isso quanto mais estabelecimentos estiverem preparados, melhor. Como nenhuma escola está livre de um acidente que possa envolver uma criança, recentemente os profissionais que atuam nos CMEIs (Centros Municipais de Educação Infantil) começaram a receber um treinamento específico oferecido no ‘Curso de emergências pediátricas’, fruto de uma parceria entre a Liga de Pediatria do Curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Campus Toledo, e a Prefeitura Municipal.

Para explicar melhor esse treinamento e outro, oferecido aos profissionais de saúde para atendimento a pacientes com PCR (Parada Cardiorrespiratória), além de conhecer as recomendações médicas sobre alimentação e outros cuidados com crianças pequenas, ouvimos a secretária municipal de Saúde, Dra. Gabriela Kucharski, que é médica pediatra.

Cuidados

Sobre a alimentação adequada nos primeiros anos de vida, a Dra. Gabriela esclarece que “até os quatro anos de idade, é preciso ter cuidado com alguns tipos de alimentos e alguns formatos de alimentos que podem ocasionar o engasgo das crianças”. “Isso porque esses alimentos [os que requerem cuidados] têm o formato e o tamanho da via aérea da criança”.

A médica cita que nesse grupo se encontram os alimentos de formato cilíndrico ou oval, e lista entre eles “os amendoins e outros grãos, algumas castanhas e alimentos cilíndricos como o tomate-cereja e a uva”. “A pipoca também é um alimento que costuma causar bastante preocupação”, complementa.

“Quanto a esses alimentos [cilíndricos], a gente indica que eles não sejam dados nesse formato para a criança ou que até sejam evitados. A pipoca, por mais que tenha seu valor nutricional, a gente orienta que seja evitada até os quatro anos”.

Finalizando as recomendações sobre formatos e tamanhos de alimentos para crianças pequenas, a pediatra diz o seguinte: “Sobre os alimentos cilíndricos, como os morangos, as uvas e os tomates-cerejas, a gente orienta que sejam picados, ou ao menos cortados, do ponto de vista longitudinal”.

A faixa etária de maior risco para engasgo é até os quatro anos, tanto pelo tamanho da via aérea quanto pela imaturidade do processo de mastigação e deglutição dos alimentos. “O risco ainda existe a partir dos quatro anos, mas é maior até essa idade”, diz a médica.

Treinamentos

Os treinamentos oferecidos pela Secretaria Municipal de Saúde de Toledo (SMST) se dividem em dois, com públicos-alvo distintos.

A capacitação em ‘manobras para suporte básico de vida’ é realizada através de uma parceria entre SMST, Universidade Federal do Paraná e Associação Médica de Toledo (AMT). As aulas são voltadas aos servidores da Saúde, e ministradas fora do horário de trabalho. Participam dessa formação profissionais como técnicos em enfermagem e enfermeiros.

O intuito do treinamento é explicado pela Dra. Gabriela através de um exemplo. “Se chegar, em uma Unidade Básica de Saúde, um paciente com parada cardiorrespiratória, a equipe que lá atua estará preparada para fazer o primeiro suporte até que chegue o Samu”.

Dra. Gabriela Kucharski no treinamento oferecido aos profissionais de Saúde. Foto: Mariana Matsuo

A outra capacitação, advém de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Saúde e a Secretaria Municipal de Educação (SMED), envolvendo a Liga de Pediatria do curso de Medicina da UFPR. Trata-se de uma preparação oferecida para professores e coordenadores das Escolas de Educação Infantil. “Nessa capacitação, a gente aborda situações de urgência em pediatria, as dúvidas mais frequentes, e pontos como a desobstrução das vias aéreas superiores e parada cardiorrespiratória”.

Ainda são vistos outros assuntos como traumas, quedas, trauma cranioencefálico (batida na cabeça) e questões clínicas, como febre, diarreia e doenças virais, além de convulsões. Sobre a importância desse treinamento, a Dra. Gabriela ressalta que “a ideia é que a gente tenha trabalhadores da Educação com uma formação mínima na área de Saúde, para poder dar o primeiro atendimento”. A importância disso, salienta a médica, é que esse primeiro atendimento modifica o desfecho, conforme o tipo de urgência, e pode fazer a diferença antes do Samu chegar. “Saber dar o primeiro atendimento, em medicina, na pediatria, modifica os desfechos relacionados a essas condições”.

Outro fator importante dessa capacitação, mencionado pela Dra. Gabriela Kucharski, é que todos os profissionais poderão dar as mesmas orientações aos pais. “É importante que a família da criança escute a mesma linguagem, a mesma orientação, e o que transmitimos nessa capacitação são orientações muito simples em saúde. Não são muito elaboradas, no ponto de vista técnico”.

Aulas práticas

Até o momento, o treinamento para servidores da SMED foi ofertado para quatro turmas (duas turmas fizeram o curso no início de agosto e outras duas no final do mês). São treinamentos bem completos e com questões práticas.

Para as aulas, a Liga de Pediatria da UFPR leva alguns bonecos para ensinar como fazer algumas manobras. Isso permite que pessoas leigas se empoderem, no ponto de vista de saber como manejar determinadas situações que não são tão complexas. Saber manejar, no primeiro momento, muda tudo no atendimento a uma criança.

Dra. Gabriela Kucharski no ‘Curso de emergências pediátricas’, voltado aos profissionais da Educação. Foto: Fabio Ulsenheimer

A importância do acompanhamento

Antes de finalizar a entrevista concedida à Gazeta de Toledo, a Dra. Gabriela falou novamente sobre a alimentação das crianças e deixou uma importante recomendação. “É muito importante que os pais levem seus pequenos para fazerem a consulta de rotina, que é aquele acompanhamento que chamamos de puericultura”.

De acordo com a secretária, todas as Unidades Básicas de Saúde do município fazem puericultura. Isso acontece nas unidades da Estratégia Saúde da Família (ESF), onde um médico capacitado faz a consulta de acompanhamento à criança, em conjunto com um enfermeiro. Esse acompanhamento é realizado também nas unidades de saúde tradicionais (UBSs), onde é o pediatra quem o faz.

A gestora de Saúde segue a explicação informando que “as crianças que são estratificadas na nossa rede como ‘alto risco’, são direcionadas para o AMI (Ambulatório Materno Infantil), que funciona no piso térreo da Secretaria de Saúde”.

Sobre a importância desse trabalho, a médica reforça que as consultas de puericultura são importantes porque “a partir do sexto mês de vida, que é quando a gente faz a introdução alimentar da criança, um profissional de Saúde capacitado fará a orientação sobre como iniciar essa alimentação, explicando o que é adequado e o que não é”. “Nesse momento, é abordada justamente a questão dos engasgos, com recomendações de quais alimentos devem ser evitados, quais podem ser incluídos na dieta [dos pequenos] e como devem ser preparados e ofertados às crianças”.

A esse respeito, os profissionais da Secretaria de Saúde percebem que é comum as mães terem muitas dúvidas e até mesmo uma visão distorcida, como a crença equivocada de que ao iniciar a fase da alimentação, a comida deve ser triturada ou batida no liquidificador e servida em forma de sopa.

Para evitar esses e outros equívocos, são muito significativas as orientações para a alimentação do bebê a partir dos seis meses. Essas orientações, durante as consultas de puericultura partem de profissionais como o nutricionista, o enfermeiro, o médico da ESF ou o pediatra. Esses são os profissionais indicados para acompanhar o desenvolvimento infantil e introdução alimentar da criança.