Adolescentes acolhidos na Casa Abrigo flagrados cometendo atos infracionais. Foto: Reprodução/Vídeo

Indisciplina, falta às aulas, saídas noturnas e consumo de bebidas alcoólicas estão entre as irregularidades denunciadas, que precisam ser apuradas pelos órgãos competentes

Por Fernando Braga

Graves denúncias a respeito de problemas com uma unidade de acolhimento mantida pela Prefeitura de Toledo vêm à luz, revelando uma situação bem crítica. Se comprovadas, as irregularidades e a desatenção da Secretaria de Assistência Social, para dizer o mínimo, demonstrariam má gestão e negligência com o Serviço de Acolhimento Institucional para Adolescentes.

O acolhimento provisório e excepcional para adolescentes, bem como para crianças, de ambos os sexos, é previsto pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) como medida de proteção quando há risco pessoal e social. Geralmente isso ocorre quando os familiares se encontram, mesmo que temporariamente, impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção.

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Toledo possui três unidades voltadas para esse acolhimento: a Casa Abrigo Menino Jesus I, para crianças de 6 a 12 anos, a Casa Abrigo Menino Jesus II, voltada às crianças de 0 a 6 anos, e a Casa Abrigo para Adolescentes, destinada a jovens com idade entre 12 e 18 anos. São a respeito desta última unidade as denúncias, que incluem até a prática de atos infracionais por parte dos acolhidos, que precisam ser apuradas pelo Poder Público, seja através do Executivo Municipal, da Vara da Infância e Juventude ou do Ministério Público.

Instalações inadequadas

Mesmo distantes de seus familiares e com histórico de adversidades, que pode incluir traumas e outros sofrimentos, há de se ter, entre os adolescentes, disciplina e regras. Além disso, a convivência precisa ser harmoniosa entre os jovens acolhidos e a equipe que trabalha na Casa Abrigo, formada por cuidadores sociais, auxiliares de serviços gerais, cozinheiras, coordenadora, psicóloga e assistente social, além de guardas municipais que zelam pela segurança da unidade. E justamente nesse ponto encontra-se um conflito, segundo os relatos.

No espaço havia, até esta segunda-feira (04), atendidos pelo Serviço de Acolhimento Institucional para Adolescentes, 5 adolescentes meninas e 4 adolescentes meninos. Embora crianças não formem o público-alvo da unidade, algumas lá se encontram também. São irmãos e irmãs dos adolescentes, e estão lá para não perderem o vínculo com os mais velhos. A preservação deste vínculo entre irmãos é importante, porém deveria haver critérios para a disposição deles dentro do imóvel. Ao que consta, estão todos juntos no mesmo espaço, desde uma criança de 3 anos de idade até adolescente de 16 anos.

É ainda mais preocupante a revelação de que no imóvel, não há uma separação eficaz entre os quartos, o que possibilita aos garotos fácil acesso ao quarto das meninas e vice-versa. O prédio onde funciona a Casa Abrigo deveria ser separado por alas, e não apenas por quartos.

A edificação inadequada também afeta o trabalho dos profissionais que atuam no local. A casa escolhida pela Prefeitura de Toledo para servir de instalação para a Casa Abrigo para Adolescentes é inapropriada e não recebeu a reforma necessária para que a unidade pudesse entrar em funcionamento. A antiga acomodação foi desativada em dezembro último sob a alegação de que o local passaria por reformas, mas até o momento, as obras não tiveram início. Enquanto isso, os funcionários se desgastam em um ambiente de trabalho improvisado. Os cuidadores sociais tiveram que adaptar, com divisória, um cubículo sem ventilação e sem ar-condicionado, para fazer a sala administrativa. A equipe técnica está dividindo a mesma sala da casa com a coordenadora, psicóloga e assistente social. Já o refeitório, foi adaptado na garagem.

Em conformidade com a legislação, não vamos mencionar o endereço onde funcionava anteriormente a Casa Abrigo, e nem a localização do imóvel onde se encontra atualmente.

Desregrados

Outra situação preocupante, segundo os relatos, demostra o descontrole sobre os adolescentes. Tanto garotos quanto garotas, decidem se, e quando, irão à escola. Quando não estão dispostos a comparecer, simplesmente faltam às aulas.

Eles também saem da Casa Abrigo quando querem e, por vezes, só retornam de madrugada, mesmo que o horário limite para regressar à unidade seja às 22h (depois desse horário, não é mais permitido acessar ou sair do local). É importante ressaltar que a Guarda Municipal não mantém escala de plantão por 24 horas na unidade. Os agentes da GM permanecem na Casa Abrigo para Adolescentes, de segunda à sexta, até a meia-noite. Nos finais de semana, não há segurança.

A ausência de um cadeado no portão e de sentinelas vigiando o espaço facilita as saídas noturnas.

Em uma situação descrita há cerca de duas semanas, garotas deixaram a Casa Abrigo e só retornaram de madrugada, depois das 04 horas, sob visível efeito de entorpecentes e com odor etílico. Situações como essa são registradas (ou deveriam ser) em ata, como ‘falta disciplinar’. A indisciplina pode até fazer com que o acolhido seja ‘convidado a se retirar’ da Casa Abrigo, mas ao que tudo indica, tais ocorrências são tratadas internamente na Secretaria de Assistência Social e não chegam ao conhecimento do juiz da Vara da Infância e Juventude.

Novo caso como o mencionado acima voltou a acontecer essa semana. Na noite desta segunda-feira (04/03) garotos e garotas em acolhimento deixaram a Casa Abrigo e regressaram tarde da noite, alcoolizados e portando uma garrafa de whisky. Quando chegaram, fizeram algazarra em frente ao imóvel, incomodando a vizinhança. A garrafa foi recolhida pelos funcionários da unidade.

Nesta terça-feira (05), depois de muitos problemas protagonizados por esses jovens, três deles foram desligados da unidade. Por terem passado, há tempos, dos limites, duas garotas e um garoto foram retirados da Casa Abrigo. No entanto, não eram os únicos insubordinados. Outros com o mesmo perfil permanecem no local.

De acordo com as denúncias, tais problemas já existiam na Casa Abrigo para Adolescentes, mesmo quando funcionava no antigo endereço.

Ato infracional

Um ato infracional imputado a um adolescente é análogo a um crime praticado por um adulto. Como não é caracterizado pela legislação brasileira como crime, o ato infracional tem um tratamento diferenciado, cujas consequências preveem, no máximo, a aplicação de medidas socioeducativas. Ainda assim, o adolescente delinquente precisa ser responsabilizado por seus atos.

A esse respeito, mais uma denúncia chega ao nosso conhecimento, desta vez, como caso de polícia. O relatório da Polícia Militar descreve arrombamento e furto a uma loja de Toledo, registrados na última sexta-feira (01/03). A ocorrência, tratada, a princípio, como furto qualificado, foi atendida por policiais do 19º BPM, que chegaram a uma loja de celulares, alvo da ação, localizada no Centro, por volta de 03h30.

Do local, os delinquentes levaram apenas caixas vazias que estavam no mostruário. Embora tenham destruído as vitrines, além de mostruários, os dois indivíduos que aparecem nas imagens registradas por câmeras de segurança (foto) não levaram nenhum aparelho. Contudo, o episódio não chama a atenção somente pelo fato de os ladrões ‘azarados’ não terem conseguido levar os celulares da loja. O que mais chama a atenção é a identidade dos dois indivíduos, que nos vídeos aparecem com camisetas enroladas na cabeça: as imagens mostram dois garotos que estavam entre os acolhidos na Casa Abrigo para Adolescentes de Toledo. O mais velho é o jovem que foi desligado da unidade com as duas meninas nesta semana. O mais novo, que tem apenas 13 anos, continua acolhido na unidade.

Incongruência

O que vemos em Toledo é uma incongruência. Enquanto um dos espaços mantidos pela Secretaria da Assistência Social, destinado a abrigar moradores em situação de rua, é rigorosamente vigiado, com a permanência de agentes da Guarda Municipal por 24 horas, os adolescentes encontram na Casa Abrigo terreno fértil para indisciplina e insubordinação.

Entre os inúmeros questionamentos que precisam de resposta, diante das denúncias aqui registradas, um seria se a Prefeitura de Toledo está cumprindo seu papel, enquanto ente público, de proteção à infância e à adolescência.

Vale lembrar que as Casas Abrigos têm a finalidade de acolher crianças e adolescentes em conflito familiar, enquanto os adolescentes em conflito com a lei têm como destino o Cense (Centro Socioeducativo).

Uma Casa Abrigo precisa reproduzir um lar saudável, tem que ser lugar de harmonia, ordem e respeito.

ATUALIZAÇÃO

Depois que essa matéria foi ao ar, no dia 06 de março, gerando grande repercussão e com milhares de visualizações em Toledo e em dezenas de outras cidades espalhadas por todas as regiões do País, recebemos infomações de que providências passaram a ser tomadas pelo Poder Público. Entre as informações que nos chegaram, no dia 12 de março, consta que os adolescentes mais problemáticos que se encontravam em acolhimento foram retirados da unidade. Também soubemos que a promotora da Vara da Infância e Juventude esteve pessoalmente no local inspecionando a Casa Abrigo. Além disso, uma audiência foi marcada pelo juiz da Vara da Infância e Juventude, que intimou os servidores da Secretaria de Assistência Social a prestarem esclarecimentos sobre as denúncias que aparecem em nossa reportagem.