Ao longo da história, sempre houve a tentação de dividir a humanidade em dois grupos: os salvos e os condenados. Muitas vezes, julgamos apressadamente quem “está dentro” e quem “está fora” do Reino de Deus. No entanto, Jesus nos recorda que a salvação não se mede por cálculos humanos, mas pela misericórdia do Pai. A pergunta: “Senhor, serão poucos os que se salvam?” (Lc 13,23) não recebe uma resposta numérica, mas um convite à conversão: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita” (Lc 13,24).
No Evangelho deste domingo (24/08) alguém pergunta a Jesus se são poucos aqueles que se salvam (Lc 13,22-30). Jesus muda a resposta e, em vez de números, fala sobre o nosso relacionamento com Deus. Naquele tempo, muitos acreditavam que os judeus seriam salvos simplesmente por pertencerem ao povo da aliança. Jesus conta uma parábola comparando a salvação com um banquete onde quem não foi convidado não pode entrar.
A porta estreita é símbolo de exigência e fidelidade. Não se trata de elitismo espiritual, mas de radicalidade evangélica: seguir Jesus implica renúncia, perseverança, cruz. É uma porta aberta, mas que exige passar com humildade, sem carregar o peso do egoísmo, da indiferença e da autossuficiência. A conversão é uma escolha cotidiana. Como lembrava Santo Antão, pai do monaquismo: “Todas as manhãs digo a mim mesmo: hoje começo”. Entrar pela porta estreita é recomeçar sempre, confiando na graça de Deus.
Jesus adverte que a porta um dia se fechará (cf. Lc 13,25). Isso não deve ser lido como uma ameaça, mas como apelo à vigilância. A fé não pode se apoiar apenas em aparências externas – “comemos e bebemos contigo” (v. 26) –, mas precisa se traduzir em vida nova, em obras de amor. A salvação não é privilégio de alguns, mas dom oferecido a todos; todavia, só participa do banquete quem acolhe a graça e a transforma em vida concreta.
A boa notícia é que Deus convoca todos inclusive pessoas que ninguém pensaria que tivessem um relacionamento com Ele. Elas vêm de todos os lugares, etnias, culturas e raças. A ordem é estabelecida pelo próprio Deus (os últimos serão os primeiros). A salvação não é propriedade privada de uma religião, de um grupo ou de uma cultura, mas dom universal. Isso nos desafia a ampliar os horizontes e a não limitar Deus às nossas fronteiras. No Reino, haverá lugar para todos os que, com coração sincero, buscaram a justiça, a verdade e o amor a partir do seguimento de Deus: vivendo em doação e serviço ao próximo, construindo a paz e a fraternidade, ajudando os pobres e sofredores do mundo.
Na vida cristã, a porta estreita nos convida a: renovar diariamente a conversão, lembrando que nunca estamos prontos, mas sempre em caminho; evitar a presunção espiritual, que julga os outros e se coloca acima deles; traduzir a fé em gestos concretos de amor, pois a porta não se atravessa com títulos ou aparências, mas com a caridade vivida; confiar na misericórdia de Deus, que abre portas inesperadas e acolhe os que pareciam perdidos.
Neste dia especial celebramos a vocação dos cristãos leigas e leigas e a vocação dos catequistas. Elevamos a Deus uma prece de agradecimento pelo seu “sim” ao Senhor, vocês são verdadeiros mensageiros da Boa Nova e exemplos de fé no dia a dia. Que Deus os abençoe abundantemente iluminando suas vidas para que continuem a espalhar a luz do Evangelho e a construir o Reino de Deus, tanto na comunidade eclesial quanto no mundo, com gestos de amor, coragem e fé
Dom João Carlos Seneme, css
Bispo de Toledo