O Evangelho deste domingo (26/10) nos conduz ao coração da vida espiritual: o modo como nos colocamos diante de Deus. A parábola do fariseu e do publicano não fala apenas de dois homens, mas de duas formas de compreender a fé, a oração e o próprio Deus (Lc 18,9-14). Não se trata apenas de rezar, mas de como rezamos – com qual atitude interior nos aproximamos do Senhor.
Jesus nos ensina que a oração verdadeira é o espelho do coração. Mais do que palavras, ela revela o lugar que Deus ocupa em nossa vida.
O fariseu é o homem correto, piedoso, cumpridor da lei. Sua oração, porém, revela algo mais profundo: uma fé centrada no mérito, não na graça. Ele se apoia em suas boas obras e se compara aos outros, acreditando que a justiça de Deus é o reflexo de sua própria perfeição.
Não há mentira em suas palavras – ele realmente jejua, paga o dízimo, evita o mal. Mas o problema é que, em sua oração, Deus se torna figurante e o “eu” assume o papel principal. É uma oração sem escuta, um monólogo do ego.
A tentação do fariseu é também a nossa: a de transformar a fé num currículo espiritual, onde a graça cede lugar à performance religiosa. É a fé que mede, pesa, compara e julga, esquecendo que Deus olha o coração.
O publicano, por sua vez, não tem argumentos nem obras para apresentar. Ele não finge ser melhor do que é. Fica à distância, não ousa levantar os olhos e apenas bate no peito, dizendo: “Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador”.
Sua oração é simples e desarmada. É o grito silencioso de quem reconhece que nada pode oferecer, a não ser sua própria miséria. E justamente por isso, sua oração sobe ao céu.
Ele compreende algo essencial: Deus não é um fiscal de méritos, mas um Pai misericordioso. O publicano crê na gratuidade de Deus, na graça que precede toda justiça. É o homem que se abandona à misericórdia e, por isso, volta para casa justificado.
A grande lição desta parábola é que a relação com Deus não se constrói sobre conquistas, mas sobre confiança. O fariseu representa a religião das “obras”, dos méritos, da necessidade de provar valor. O publicano, ao contrário, representa a fé da gratuidade – a fé que aceita ser amada sem merecer.
Crer em Deus é se libertar da obrigação de “ser suficiente”. É abandonar a ilusão de que o amor divino depende do nosso sucesso. A oração do publicano nos convida a viver a fé não como um esforço para alcançar Deus, mas como um se deixar alcançar por Ele.
Deus não rejeita o coração ferido e sincero. O fariseu subiu ao templo cheio de si e desceu vazio de Deus; o publicano subiu vazio e desceu cheio da misericórdia.
Assim também nós: quando nos colocamos diante do Senhor sem máscaras, Ele nos reveste com Sua ternura. A verdadeira oração é aquela que nos permite ser vistos e amados como somos.
Que cada um de nós possa aprender com o publicano a dizer, com humildade e confiança: “Senhor, tem piedade de mim, porque sou pecador”.
E nessa súplica simples e verdadeira, encontrar a alegria de quem descobre que tudo é graça e que, na misericórdia, Deus sempre tem a última palavra.
Dom João Carlos Seneme, css
Bispo de Toledo




