O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em seu artigo 167 tipifica uma infração de trânsito recorrente no cotidiano do motorista brasileiro. Estamos falando da ausência do uso de cinto de segurança.
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Quem já foi multado por deixar de usar o cinto de segurança deve ter notado que, quando a abordagem não é realizada, na maioria das vezes consta no campo de observações frases semelhantes à “abordagem não realizada para não prejudicar o trânsito”. A finalidade do presente artigo não é questionar a validade da autuação cuja abordagem não foi realizada pelo agente fiscalizador, desde que devidamente relatada.
A regra geral permite tal situação, sendo conduta autorizada inclusive pelo CTB. Entretanto, esta regra não é aplicável para infração em discussão, por ofensa aos princípios basilares da própria legislação de trânsito. O art. 167, CTB prevê sanção para o condutor ou passageiro que deixar de utilizar o cinto de segurança. A parte final da redação do artigo remete a outro dispositivo do CTB, mais precisamente o art. 65, que impõe a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, tanto para o condutor como aos passageiros: “É obrigatório o uso do cinto de segurança para condutor e passageiros em todas as vias do território nacional, salvo em situações regulamentadas pelo CONTRAN”.
A sanção prevista no art. 167 do CTB é a aplicação da penalidade de multa e da medida administrativa de retenção do veículo até colocação do equipamento (cinto de segurança). Veja, o CTB não concedeu qualquer discricionariedade para o ato, ou seja, não possibilitou ao agente de trânsito escolher entre qual das medidas adotar. Haveria discricionariedade se o texto fosse o seguinte: “poderá o veículo ser retido”. Disto se conclui que a abordagem e a adoção da medida administrativa são condutas obrigatórias. Isto decorre dos princípios estampados pelo Código de Trânsito Brasileiro.
O objetivo da legislação de trânsito é a proteção da vida e a incolumidade física dos condutores e pedestres. Inclusive, o § 1o do art. 269 dispõe que “as medidas administrativas adotadas pelas autoridades de trânsito e seus agentes terão por objetivo prioritário a proteção à vida e à incolumidade física da pessoa”. Não é por menos, pois a medida administrativa tem por objetivo corrigir o ato ilícito praticado, evitando futuros acidentes.
Não teria razão de existir a medida administrativa para o artigo em tela se não fosse para cumprir o § 1o do artigo 269, do CTB.A conclusão é que a arrecadação do valor da multa torna-se objetivo acessório à medida administrativa, que passa ser a sanção principal. Para exemplificar o argumentado até o momento, é importante mencionar uma situação hipotética imaginada pelo Advogado e Professor Vagner Oliveira: “O agente fiscalizador observa que o passageiro de um veículo, uma criança de 8 anos de idade, não está utilizando o cinto de segurança.
Em vez de emitir a ordem de parada e aplicar a medida administrativa de RETENÇÃO DO VEÍCULO ATÉ A COLOCAÇÃO DO CINTO PELO INFRATOR, ele apenas lavra a autuação. Duas quadras adiante, o veículo a 40 km/h, colide na traseira de um ônibus parado no semáforo. Com o impacto, a criança é arremessada para frente com cerca de 20 vezes o seu próprio peso, vindo a óbito por ocasião das fraturas sofridas no pescoço e coluna. ”
Agora proponho o seguinte questionamento: no caso hipotético a autuação cumpriu o objetivo de proteger a vida e a incolumidade física dos ocupantes, mandamento expresso no § 1o do art. 269 do CTB, ou prestou-se a aplicar a sanção pecuniária? Por todos os motivos expostos, é que a conduta do agente de trânsito que deixa de abordar o veículo e, consequentemente não aplica a medida administrativa (retenção do veículo até uso do cinto), limitando-se apenas a aplicar a multa, é ato nulo, pois não observa os principais objetivos da legislação de trânsito brasileira.