Um fio condutor percorre as leituras deste 3º Domingo depois da Páscoa; fio que nos permite penetrar cada vez mais no sentido do mistério pascal: do querigma (anúncio) que pede a mudança de uma lógica puramente humana (primeira leitura), passamos à vida vivida como critério de pertença a Deus (segunda leitura), para finalmente chegar ao testemunho do Ressuscitado (Evangelho). Trata-se do caminho da vida cristã com todos os seus componentes, caminho que, à luz da Páscoa, adquire um significado particular, porque se indica a profissão de fé em Deus criador, o Deus da vida, que tem o poder de ressuscitar Cristo e, em Cristo, todos os seres humanos, transformando-os em testemunho do seu amor.

Na conclusão de seu Evangelho, Lucas – antes da despedida – relata novamente um encontro de Jesus com seus discípulos. O convívio fraterno é um traço característico do terceiro Evangelho e é sugestivo que o tema também se repita na conclusão do Evangelho, na última refeição que Jesus faz com seus discípulos, antes de seu retorno ao Pai. A intenção do texto não está em destacar como aconteceu a ressurreição, mas iluminar o fato de que o Ressuscitado não é outro senão o Jesus de Nazaré, o crucificado.

Aos onze apóstolos, assustados e cheios de dúvida, Jesus mostra que tudo tem um sentido, tudo é graça, porque faz parte do desígnio salvífico de Deus revelado nas Escrituras. Iluminada por esta luz, a paixão-morte-ressurreição não é o fracasso de um projeto, mas a sua realização porque a Palavra da Salvação está inscrita até na morte. Sob esta ótica devem ser compreendidas a conversão e o perdão dos pecados que o Ressuscitado confia ao testemunho dos apóstolos. Para o evangelista Lucas, converter é voltar a ler a própria vida no contexto do plano divino da Salvação.

Trata-se do projeto que o Pai desenhou para todos os povos, mas sobretudo para os filhos que abandonaram a casa do Pai (filho pródigo), os pecadores públicos (Lc 7), os fariseus que se consideram justos desprezando os outros (Lc 7), os ricos que acumularam bens para si (Lc 16 e Lc 19), os criminosos crucificados (Lc 23). A todos é dado um novo começo.

“Vós sois testemunhas disso” é a frase final. Deste modo, onze homens – e com eles os fiéis de todas as gerações – são responsabilizados pela obra de Jesus: o Reino de Deus, o anúncio da conversão e do perdão, tornar-se-ão fermento graças ao testemunho dos discípulos e discípulas do Cristo morto e ressuscitado. Não se trata apenas de ensinar, mas de testemunhar, porque a fé nasce do envolvimento pessoal no destino da Palavra. Não se testemunha algo, mas se testemunha Alguém. É o que o evangelista Lucas mostra desde o início nos Atos dos Apóstolos, seu segundo livro, quando conta a história de Estêvão, a testemunha que perdoa. A Páscoa torna-se assim uma nova possibilidade, dada a um mundo em agonia, de assumir a utopia como estilo de vida. Uma utopia, é claro, fundada não em especulações humanas, mas na certeza de que Deus venceu a morte.

Neste Tempo Pascal somos convidados a renovar nossas vidas e de nossas comunidades cristãs. Todo domingo é dia de festa e de alegria. Como aconteceu com os apóstolos, Jesus está no centro da comunidade reunida em seu nome. É ali que renovamos nossas forças. Precisamos deste momento. Vivemos em um mundo que perde o rumo, que é capaz do melhor e do pior. Deus nos oferece a direção correta. É neste mundo que somos enviados para ser testemunhas do amor e da alegria de Deus.

Neste dia peçamos ao Senhor Ressuscitado que abra nossas mentes para entender as Escrituras e que Ele faça de todos nós testemunhas e mensageiros do amor que vem de Deus. Amém.

Dom João Carlos Seneme, css

Bispo de Toledo