REFLEXÕES NA PERSPECTIVA DA LOGOTERAPIA

Prof. Dr. Edson Marques Oliveira (*)++

“No fundo o que o ser humano procura não é a felicidade em si, mas uma razão para ser feliz. E isso só pode ser encontrado na medida em que a pessoa se doa, se desprende de si e transcende sua existência. É a vontade de sentido na práxis, na pragma e na póiesis da existência humana no cotidiano.” EMO

A natureza humana é complexa e paradoxal. Pois em tempos de crise e calamidade como a que vivemos nesse momento, podemos notar o que existe de mais nobre e podre de cada ser humano. Como professor, tenho claro que minha missão e sentido não é formar discípulos ou seguidores, mas treinar e estimular as pessoas a observarem, a terem senso crítico e estimular a busca de ações propositivas sobre a vida e o bem-viver, e isso através do acesso e compreensão de informações, conhecimentos e estratégias que possam contribuir para a sua qualidade de vida, ou como venho defendendo, sua sustentabilidade humana (OLIVEIRA, 2016).

E para cumprir com essa missão, (que em parte procuro materializar nesse pequeno artigo) é necessário explicar que parto da compreensão de que todas as ações devem estar centradas no ser humano, inserido numa sociedade e em organizações e grupos, que tem múltiplos interesses. Somos diferentes apesar de muitas similaridades, portanto, um ser humano complexo e paradoxal que busca dar sentido a sua vida e busca uma forma organizativa de vida num ambiente também paradoxal, através das relações humanas e sociais que estabelece em seu cotidiano. Logo, é preciso ter claro uma visão mais ampla do ser humano.

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Na logoterapia (ciência e psicoterapia do sentido), seu criador, Viktor Emil Frankl ( FRANKL, 2008),  apresenta uma visão de ser humano em que ele denomina de dimensões ontológicas e antropológicas: a) físico = corpo, b) psíquico = mente, e d) espírito (não necessariamente na visão religiosa, mas de força interior maior, como os gregos entendiam na dimensão noológica). Logo, as doenças que a todos, em algum momento da vida, pode atingir, não é somente uma questão somatogênica (corpo), psicogênica (mente), mas também e, sobretudo, noogênica (espírito).

 

Nesse sentido, ver o ser humano dessa forma, é entender que o mesmo não é um animal que reage de forma instintiva, mas é um ser que pode escolher, tem liberdade de escolha e de responsabilidade por essas escolhas, ou seja: “O ser humano efetivamente, é mais do que o simples produto de uns processos de aprendizagem condicionantes. É mais do que o resultado da interação entre ambientes e carga genética, mais do que o produto de umas relações de produção.” (FRANKL, 2016, p.38). Em outros termos, não somos meras vítimas das circunstâncias, podemos e devemos ter uma atitude firme em prol da vida em qualquer situação.

Sendo assim, todo ser humano, pode encontrar sentido em toda e qualquer circunstância de sua vida. Quando Frankl afirma isso, ele sabe o que diz, pois foi prisioneiro nos campos de concentração nazistas e sobreviveu graças a esse entendimento e atitude. Frankl ainda nos ensina que fatalmente nós humanos vamos ter que enfrentar o que ele chama de “tríade trágica”: I. A dor, II. A culpa (poderia ter feito algo e não fez) e III. A morte. A questão não é evitar essa tríade ou outras questões do sofrimento humano, mas saber lidar com essa tríade e de outras situações que não estão sob nosso controle.

Quando se tem claro o sentido da vida em cada momento, afirma Frankl, mesmo e principalmente em momentos de tragédia, ou de calamidade como a que estamos vivendo, é possível encontrar sentido (força espiritual) para superar esse momento, e como bem lembra Frankl, parafraseado Nietzsche:  “Quem tem um ‘porquê’ de viver pode suportar qualquer ‘como’”.

O sentido não é moldado pela mente, não é comprado, nem dado por outras pessoas ou prescrito por um médico. Ao contrário, a mente é que é atraída por esse sentido, que é encontrado por cada pessoa, em cada momento existencial de sua vida cotidiana.  Pois, segundo Frankl, o sentido da vida é uma realidade ontológica e não uma criação cultural, política e muito menos ideológica (que foge dos reducionismos e determinismos). Ele simplesmente existe: trata-se apenas de encontrá-lo, e isso só pode ser feito por cada pessoa.

Quando Frankl foi libertado do campo de concentração de Auschwitz, perguntaram para ele como ele e outras pessoas sobreviveram. Ele disse que foram as pessoas que, como ele, se doaram para ajudar outros, não pensarem em si mesmas, olharam e agiram para além de si e de suas próprias necessidades (na Logoterapia esse processo é denominado de auto-transcendência). Frankl, na condição de médico procurou sempre servir aos outros e teve como grande motivação de viver (sentido) ver sua esposa e escrever um livro sobre o que aconteceu no campo de concentração (Livro Em Busca de Sentido, um dos mais lidos no século XX).

O sentido pode ser encontrado, a partir de três pilares fundamentais: I) liberdade da vontade (você pode, realizar algo, uma obra, perseguir uma causa), II) vontade de sentido ( você pode querer/desejar dar sua vida e amar alguém, ou se comprometer com a vida das pessoas), III) sentido de vida (agir, ter uma atitude positiva, mas realista face às circunstâncias mais trágicas da vida e, mesmo assim, seguir em frente).

Logo, em momentos de crise como vivemos, o medo da morte, paradoxalmente nos leva a dar maior sentido e valor à vida. São nesses momentos que as pessoas mostram o melhor e o pior que o ser humano tem. Frankl mostra que no campo de concentração havia os Kapos, prisioneiros que serviram a SS (polícia secreta do Nazismo) para vigiar os demais prisioneiros, e que muitas vezes eram mais cruéis que os próprios alemães. Mas também conta que muitos soldados alemães ajudaram muitas pessoas, mesmo arriscando suas vidas para salvar alguns poucos, ou seja, não concordavam com a maldade dos campos de concentração.

Em ambos os exemplos, pessoas que decidiram ajudar os outros, ou trocar a vida dos outros por privilégios (cigarro e comida), vemos que eram seres humanos que tomaram decisões diferentes em circunstâncias de crise. Então, é preciso nesse momento, com essa visão de centralidade no ser humano, como um ser integral (corpo, mente, espírito) e de capacidade e liberdade de escolha, de como agir e reagir a cada momento e circunstância de sua vida e, com a responsabilidade dessas escolhas, auxiliar e incentivar cada pessoa a buscar esse sentido frente a esse momento.

Um exemplo a ser destacado, são os profissionais que estão na linha de frente, o que os leva a correr o risco de serem contaminados? O que os leva a buscar forças para poder salvar o maior número possível de pessoas? Só pessoas com um sentido maior e um propósito vívido de transcender a si mesmo, pode encontrar força e coragem para esse momento. Assim, todos nós temos que fazer primeiro conosco e depois com cada pessoa próxima.

É nessa perspectiva que acredito que precisamos elevar o espírito humano nesse momento de crise, para ter visão e atitude otimista, mas realista, com esperança, mas, sobretudo, com responsabilidade e compromisso, não só para consigo mesmo, mas para com o bem coletivo.  Nesse momento, como seres humanos dotados de razão e emoção, podemos fazer escolhas, como agir e reagir com essa situação.

Podemos nos entregar ao desespero, tentar encontrar culpados, se entregar a angústia, a ansiedade, ao pavor, e com isso, acelerar o caos, gerar mais pânico e temor, desesperança e medo, e com isso descuidarmos da segurança e cuidados básicos que cabe a cada pessoa e que afetará a comunidade humana.

Ou podemos ter uma atitude sábia, de serenidade e ter a consciência de que precisamos uns dos outros nesse momento. Que a atitude positiva pode estimular, animar e elevar os ânimos e com isso, encontrar forças para superar esse momento e o que vem no futuro (sentido). Como no campo de concentração, o confinamento em um dado momento se torna um caos, salvas as proporções, a casa não é prisão no sentido coercitivo das limitações, violência física e psicológica, ou de privações básicas, mas pode se transformar mentalmente numa prisão, se não tivermos uma atitude mais adequada. É nesse momento que temos que usar de criatividade e bom-senso para melhor aproveitar esse tempo, fazer dessa tragédia um momento de triunfo, de sairmos mais fortalecidos.

No livro “Afrontamento e Superação de Crises: contribuições da Logoterapia” (Freitas, 2018), de Marina Lemos Silveira Freitas (médica e educadora de Ribeirão Preto e especialista em Logoterapia), são apresentadas 16 estratégias de sobrevivência nos campos de concentração (situação de extrema crise e calamidade), a partir dos estudos dos escritos de Frankl. Aqui eu selecionei algumas que de forma análoga cabem nesse momento. São elas: a) Humildade, b) Não reclamar, c) Capacidade de se alegrar – bom humor, d) Trato consigo mesmo, e) Dar valor às pequenas coisas, f) Ajudar os outros, g) Ir além de si mesmo.

  1. a) Humildade: ninguém é dono da verdade, ninguém é melhor do que ninguém – devemos reconhecer nossos limites, nossas fraquezas e erros. Humildade em que nos leva a perceber que todos nesse momento são frágeis e que precisamos aceitar o outro como legítimo outro, saber pedir e dar ajuda, sem cobrar, sem esperar recompensas;
  2. b) Não reclamar: se entregar para a reclamação leva a pessoa a não enxergar e valorizar as possibilidades que possam existir, Frankl, mesmo em meio ao caos do campo de concentração, via nas pequenas coisas milagres que eram valorizados, como por exemplo, trabalhar duramente para abrir um túnel e ganhar um “prêmio” um cupom de sopa (rala) o que naquele contexto o livraria da inanição completa – ficar só reclamando leva a um condicionamento depressivo, e amplia a angústia, isso não quer dizer apenas falar do “pensamento positivo”, o qual sem atitude nada é além de uma mentira disfarçada de positividade, mas antes de tudo, ter atitude positiva, mas dentro da realidade vivida, se Frankl encontrou isso num campo de concentração, creio que também podemos encontrar nesse momento: um sentido maior, de não ficar só reclamando e, pior, criticando sem, contudo, apresentar nenhum horizonte de solução (como certos setores e organizações de nossa sociedade);
  3. c) Capacidade de se alegrar e bom humor: Frankl encontrava momentos de alegria no campo de concentração, num dos relatos, se alegrava com a água que saía do chuveiro, do pássaro que cantava próximo da cerca eletrificada do campo de concentração, muitas vezes usa da ironia para elevar o ânimo, como Frankl mesmo afirma, “… o humor constitui uma arma da alma na luta por sua autopreservação.” Leva as pessoas a serem mais leves em momentos de crise e suportarem as dores da dura realidade sem, contudo, fugirem ou a negarem;
  4. d) Trato consigo mesmo: Frankl, num momento de grande desespero no campo de concentração, reunido com os seus amigos médicos e de mãos dados fizeram um trato, sobreviver a cada meio dia de cada dia, e cumpriram. Esse exercício, tanto pessoal (fazer um trato com você mesmo), como coletivo (fazer trato com grupo de pessoas próximas), eleva o senso de liberdade de escolha, de modo positivo e realista motiva a pessoa e a comunidade a ter uma postura psicológica, educativa e organizacional mais elevada, para cada momento. Dar sentido e propósito é dizer sim à vida. Na vida com sentido, as crises e os problemas passam, precisamos saber lidar com a dor e o momento e sairemos fortalecidos;
  5. e) Dar valor às pequenas coisas: Frankl incentivava as pessoas, e a ele mesmo, a recordar, e trazer à memória (como dizia o profeta Jeremias) coisas pequenas, mas significativas, que amamos fazer e que dão brilho à nossa vida; que após passar a crise, poderemos fazer de forma mais livre, coisa pequenas do cotidiano quem fazem da vida um momento ímpar de ser vivido, como caminhar, abraçar, beijar as pessoas amadas (o que não podemos fazer nesse momento de isolamento social), ficar parado olhando o pôr do sol, entre outras pequenas coisas que nos dão alegria;
  6. f) Ajudar os outros: Como já explicitado, uma das coisas que fez como que Frankl e outras pessoas suportassem o campo de concentração foi a atitude de transcender a si mesmo, de auxiliar, apoiar, ajudar outras pessoas, mesmo não tendo condições para isso, essa autotranscedência produzia e ativava uma força maior, a dimensão espiritual que auxiliava a contornar as demais dimensões da vida (psíquica e física), dava um sentido maior (um porque) e auxiliava a superar as circunstância adversas do campo de concentração (o como). Logo, ao invés de criticar, reclamar, ser arrogante, não valorizar as pequenas coisas, devemos olhar o outro e dentro de nossas possibilidades: dar apoio, incentivar a ver com mais positividade e saber enfrentar a realidade posta em nossa frente, ou seja, não ficar só olhando o próprio umbigo;
  7. g) Visão de futuro: Muito semelhante com a visão negativa dos filósofos Estóicos, Frankl apresenta esse “truque” de olhar para o problema presente e ter atitude de acolhimento e aceitação, e não a de negação ou de falso otimismo, essa aceitação é diferente de acomodação ou passividade mórbida, acolher é saber aceitar de forma serena e não de revolta, sabendo enfrentar positivamente esse momento e superá-lo com as forças que tem e, com isso, extrair lições e aprendizados de vida, que podem depois ser compartilhados com outras pessoas e em outras vivências;

Em outros termos, consegue-se fazer com que o sofrimento presente trágico se transforme em uma possibilidade de triunfo, em que a maior superação está em não se entregar ao desespero, ao medo, a angústia, mas saber enfrentar o problema com realismo e, sobretudo, com esperança, como Frankl fez no campo de concentração; não negar e nem desconsiderar a gravidade do momento; muitas pessoas podem, e vão morrer; eu posso ser uma delas, mas posso também sobreviver e, sobrevivendo, posso aprender com isso – esse aprendizado poderá servir para ajudar outras pessoas e a mim mesmo, pois aprendi a não me entregar ao desespero; tive a liberdade de escolha, escolher e saber enfrentar com otimismo realista o mal e a situação caótica que enfrentamos;

A morte pode ser inevitável, a possibilidade de não dar conta da missão pode ser fatídica, mas também posso não morrer e nem ser contaminado, então, o que fazer enquanto tenho vida? Como melhor aproveitar esse momento de estar com saúde e vida; mesmo se estiver doente, como posso melhor lidar com isso e fazer dessa passagem algo melhor!?

Por fim, cabe lembrar o que correu com Frankl e as demais pessoas que sobreviveram aos campos de concentração, “… aqueles reclusos [confinados] que se orientavam na direção do futuro que de alguma forma esperava por eles, que tinham uma tarefa futura a realizar, eram os que apresentavam maiores probabilidades de sobrevivência.” (FRANKL, 2016, p.21), e isso decorrente da capacidade que temos nesses momentos de crise; ter a liberdade com responsabilidade de agir, e não se entregar ao desespero e à angústia.

Pois nesses momentos não faltam falsos otimistas, que vendem ilusões, oportunistas, mais preocupados com suas ideologias, só publicando “notas”, sem propor nada concreto como e escondendo a inépcia e incompetência de pensar concretamente a situação, pois sua visão de mundo e de homem é reducionista e determinista. Também tem os pessimistas doentes de plantão, que cegam e anulam a esperança e disseminam o rancor e pessimismo.

A logoterapia nos ensina que não devemos fugir da realidade, mas não devemos nos entregar ao desespero, temos que ter sempre a postura de esperança e estimular o melhor de cada pessoa, sempre crendo que podemos ser melhor do que somos e que podemos vir a ser ainda melhores. Ou seja: “Se exigirmos do homem o que ele deve ser, faremos dele o que ele pode ser. Se pelo contrário, o aceitarmos como é, então, acabaremos por torná-lo pior do que é.” (FRANKL, 2016, p.18) .

Com essa mentalidade e postura, acredito que podemos gerar motivos e ações com resultados efetivos (práxis = ação pensada), com ações concretas e efetivas (pragma = ação realizada) e que impacte não só em minha vida (corpo, mente, espírito), mas em outras vidas e na sociedade como um todo (póiesis = auto-organização), alterando nosso cotidiano, e nossa existência com sentido e propósito maiores, e até coletivo, a preservar a vida e existência humana de forma sustentável, digna e justa.

Covid-19, como reagir em tempos de crise, com o professor Edson Marques Oliveira assistente social.

Posted by Gazeta de Toledo on Friday, April 17, 2020

 

 

https://www.facebook.com/GazetadeToledo/videos/2515752045421560/

 

Bibliografia citada

FRANKL, Viktor Emil. Sede de sentido. Tradução de Henrique Elfes. São Paulo, Ed. Quadrante, 2016, 5ª edição.

FRANKL, Viktor Emil. Busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração, 33ª ediçãoSão Leopoldo : Sinodal, ; Petropólis,: Vozes, 2008

FREITAS, Marina Lemos Silveira. Afrontamento e superação de crises: contribuição da Logoterapia, 2ª edição. Ribeirão Preto: SP, EdIECVF, 2018

OLIVEIRA, Edson Marques. Coaching e Sustentabilidade Humana: a arte e a ciência de ser feliz. Curitiba – PR, Ed. Appris, 2016.

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(*) Prof. Dr. Edson Marques Oliveira

Professor associado Curso de Serviço Social/Unioeste – Campus de Toledo – PR

Pós-Doutor em Ciências Sociais e Administração

Coach, Trainer coaching e Neuroaching

Mediador e conciliador Judicial ( Cejusc- Toledo)

Especialização em Logoterapia (em curso)

Contato: 45. 999413948