Não é legal e nem é dever de município realizar a equiparação do salário de servidores públicos estatutários ocupantes dos cargos de engenheiro e arquiteto ao piso nacional dessas categorias, estabelecido pelas leis nº 4.950/66 e nº 5.194/66, nos termos dos julgamentos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 149 e da Representação nº 716/DF do Supremo Tribunal Federal (STF).
Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pela Câmara Municipal de Palmeira (Região dos Campos Gerais), por meio da qual questionou sobre a legalidade e obrigatoriedade de se realizar a equiparação do salário de servidores públicos estatutários ocupantes dos cargos de engenheiro e arquiteto ao piso nacional estabelecido pelas Leis nº 4.950-A/66 e nº 5.194/66, conforme exige o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná (Crea-PR).
Instrução do processo
Em seu parecer, a assessoria jurídica da consulente afirmou que, de acordo com informação constante no próprio site do Crea-PR, a Lei Federal nº 4.950-A/66 é aplicável aos profissionais contratados sob regime celetista; e concluiu que esse mesmo raciocínio é extensível à Lei nº 5.194/66.
A Procuradoria da Câmara Municipal de Palmeira sustentou a aplicabilidade das disposições dos artigos 37, inciso X, e 169 da Constituição Federal (CF/88), em relação à remuneração dos servidores públicos somente poder ser alterada por lei específica, devendo existir dotação orçamentária prévia para atender às projeções de despesa com pessoal e aos acréscimos dela decorrentes.
Finalmente, o parecer da assessoria expressou que deve ser ponderada a discricionaridade do Poder Executivo de optar por utilizar o valor do piso mencionado na Lei nº 5.194/66, hipótese em que será vedada a vinculação ao salário mínimo como indexador do reajuste, conforme definido pelo STF no julgamento da ADPF nº 149.
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que as remunerações dos cargos públicos, estatutários ou celetistas, são fixadas exclusivamente por lei do ente contratante, nos exatos termos do inciso X do artigo 37 da CF e precedentes do TCE-PR. Também destacou que não é dever do município realizar equiparação salarial dos servidores que são engenheiros e arquitetos com base nas leis nº 4.950/66 e nº 5.194/66, pois essas normas não se aplicam a servidores da administração pública.
A unidade técnica ressaltou que a igualdade salarial é um dos princípios norteadores e protetivos da legislação trabalhista, que atualmente é abordado no artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Contudo, entendeu que, embora haja empregados públicos regidos pelo regime celetista, a questão abordada refere-se a servidor público de cargo efetivo, com formação e cargo de engenheiro e arquiteto.
A CGM frisou que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entende ser inviável eventual aplicação do piso salarial da categoria dos engenheiros, previsto na Lei nº 4.950-A/66; e que o próprio Crea-PR entende que a aplicabilidade da Lei nº 4.950/66 é destinada a profissionais contratados sob o regime celetista.
Assim, a unidade técnica concluiu ser inviável também qualquer equiparação dos referidos servidores pelos termos da Lei nº 5.194/66, pois essa norma, mais precisamente em seu artigo 82, aborda o mesmo tema disposto no artigo 5º da Lei nº 4.950-A/66. Portanto, considerou que não deve ser imposto aquele texto legal a servidores públicos estatutários.
Desse modo, a CGM entendeu ser inviável a equiparação do salário de servidores públicos estatutários ocupantes dos cargos de engenheiro e arquiteto ao piso nacional; e sugeriu que a resposta à Consulta fosse que não é dever da municipalidade realizar equiparação salarial dos servidores engenheiros e arquitetos com base nas leis nº 4.950/66 e nº 5.194/66.
O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) iniciou o seu parecer nos autos com a afirmação de que a matéria está pacificada pelo STF desde 1969, por ocasião do julgamento da Representação nº 716/DF, ocasião em que a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do artigo 5º da Lei Federal nº 4.950-A/66 em relação aos servidores sujeitos ao regime estatutário.
O órgão ministerial lembrou que essa decisão do STF deu origem à edição da Resolução nº 12/71 do Senado Federal, determinado a suspensão da execução da Lei nº 4.950-A/65 em relação aos servidores públicos sujeitos ao regime estatutário.
Assim, o MPC-PR considerou inequívoco que o piso nacional estabelecido no artigo 5º da Lei nº 4.950-A/66 não se aplica à remuneração de servidores públicos estatutários ocupantes dos cargos de engenheiro e arquiteto. Além disso, destacou que, por consequência lógica, o mesmo entendimento cabe ao piso estipulado no artigo 82 da Lei nº 5.194/66.
De qualquer forma, apesar da ausência de obrigação legal de equiparação do piso salarial em relação aos servidores sujeitos ao regime estatutário, o órgão ministerial considerou imprescindível que os municípios paranaenses sejam instados a fixar o padrão remuneratório dos cargos efetivos de engenheiro e arquiteto em patamares similares aos pagos nas relações de trabalho regidas pela CLT, sob pena de esvaziamento do preenchimento das vagas desses cargos.
A Procuradoria-Geral de Contas (PGC) lembrou que o provimento desses cargos é essencial para que os entes federativos municipais possam, entre outras competências constitucionais e legais, elaborar sua Planta Genérica de Valores (PGV), a ser periodicamente atualizada, pressuposto indispensável para instituição e arrecadação do IPTU e do ITBI, bem como para avaliação dos imóveis alienados, quando se dá a chamada transmissão inter vivos.
O MPC-PR acrescentou que a presença de engenheiros e arquitetos na estrutura de pessoal dos entes federativos municipais também é condição necessária para que os municípios tenham condições de elaborar projetos, fiscalizar obras, planejar investimentos públicos e coordenar intervenções urbanas, bem como para que se dê efetividade às políticas públicas ligadas à sustentabilidade ambiental, saneamento, direito urbanístico, circulação viária, transporte público e acessibilidade, entre outras.
Além disso, o órgão ministerial ressaltou que é imprescindível a presença de engenheiros e arquitetos nos quadros municipais para a adequada aferição das posturas municipais, avaliação e concessão de alvarás de construção e de funcionamento, fiscalização de obras e outras atividades vinculadas ao poder de polícia do município no que se refere aos temas de engenharia e urbanismo.
O MPC-PR também alertou que é essencial que se dê efetivo cumprimento ao disposto no artigo 39 da CF/88 e no artigo 33 da Constituição do Estado do Paraná (CE/PR), mediante a instituição do Conselho de Política de Administração e Remuneração de Pessoal, instância responsável por fixar os padrões de vencimentos dos respectivos cargos ou empregos públicos à luz da natureza, grau de responsabilidade e complexidades das funções.
Finalmente, a PGC afirmou que a Constituição Paranaense é expressa em exigir tratamento uniforme aos servidores públicos, o que não legitima distinção de remuneração em razão do vínculo celetista ou estatutário. Assim, concluiu que cabe à administração fixar dos padrões de vencimento em conformidade à natureza, grau de responsabilidade e peculiaridades dos cargos, para que a remuneração seja adequada à complexidade, responsabilidade das tarefas e à capacitação profissional.
Legislação e jurisprudência
O artigo 5º da CF/88 dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
O artigo 37 da CF/88 estabelece que a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O inciso X desse artigo fixa que a remuneração dos servidores públicos e o subsídio dos agentes públicos somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso.
O inciso XIII do artigo 37 da CF/88 expressa que é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público.
O artigo 39 da CF/88 dispõe que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas; e o artigo 39-A fixa que os entes federativos instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos poderes.
O parágrafo 1º do artigo 39 estabelece que a fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira; os requisitos para a investidura; e as peculiaridades dos cargos.
O artigo 169 da CF/88 fixa que a despesa com pessoal ativo e inativo e pensionistas da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios não pode exceder os limites estabelecidos em lei complementar.
O parágrafo 1º desse artigo dispõe que a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; e se houver autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
O artigo 33 da CE/PR expressa que o estado e os municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos poderes.
O parágrafo 1º desse artigo estabelece que a fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira; os requisitos para a investidura; as peculiaridades dos cargos; o sistema de méritos objetivamente apurados para ingresso no serviço e desenvolvimento na carreira; a remuneração adequada à complexidade e responsabilidade das tarefas e à capacitação profissional; e o tratamento uniforme aos servidores públicos, no que se refere à concessão de índices de reajuste ou outros tratamentos remuneratórios ou desenvolvimento nas carreiras.
A Lei Federal nº 4.950-A/66 dispõe sobre a remuneração de profissionais diplomados em Engenharia, Química, Arquitetura, Agronomia e Medicina Veterinária. O artigo 3º dessa norma fixa que, para os efeitos dessa lei, as atividades ou tarefas desempenhadas por esses profissionais são classificadas em atividades ou tarefas com exigência de seis horas diárias de serviço (alínea “a”); ou de mais de seis horas diárias de serviço; e seu parágrafo único expressa que a jornada de trabalho é a fixada no contrato de trabalho ou determinação legal vigente (alínea “b”).
O artigo 4º da Lei Federal nº 4.950-A/66 estabelece que, para os efeitos dessa lei os profissionais são classificados em diplomados pelos cursos regulares superiores mantidos pelas escolas de Engenharia, de Química, de Arquitetura, de Agronomia e de Medicina Veterinária com curso universitário de quatro anos ou mais (alínea “a”); e diplomados pelos cursos regulares superiores mantidos pelas escolas de Engenharia, de Química, de Arquitetura, de Agronomia e de Medicina Veterinária com curso universitário de menos de quatro anos (alínea “b”).
O artigo seguinte (5º) dispõe que, para a execução das atividades e tarefas classificadas na alínea “a” do artigo 3º, fica fixado o salário-base mínimo de seis vezes o maior salário mínimo comum vigente no país, para os profissionais relacionados na alínea “a” do artigo 4º; e de cinco vezes o maior salário mínimo comum vigente no país, para os profissionais da alínea “b” do artigo 4º.
A Lei nº 5.194/66 regula o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e engenheiro agrônomo. O artigo 82 dessa lei fixa que as remunerações iniciais dos engenheiros, arquitetos e engenheiros agrônomos, qualquer que seja a fonte pagadora, não poderão ser inferiores a seis vezes o salário mínimo da respectiva região.
O artigo 461 da CLT dispõe que, sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade. O parágrafo 1º desse artigo estabelece que o trabalho de igual valor será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a dois anos.
O STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 603, decidiu que a isonomia remuneratória para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas do mesmo poder ou dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário cria um limite, não uma relação de igualdade.
No julgamento da ADI nº 3369, o STF fixou o entendimento de que “em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei específica”; e ao julgar a ADI 2075, entendeu que “o tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em consequência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurídica”.
A Súmula Vinculante nº 37 do STF expressa que não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia.
O STF determinou o congelamento da base de cálculo do piso salarial dos profissionais de Engenharia, Química, Arquitetura, Agronomia e Medicina Veterinária a partir da data da publicação da ata de julgamento das (ADPFs) números 53, 149 e 171.
De acordo com a ADPF nº 149/DF, o piso salarial previsto no artigo 5º da Lei 4.950-A/66 incide sobre as relações de emprego regidas pela CLT, tanto nas empresas privadas quanto nos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta da União, dos estados, do DF e dos municípios.
O TST entende ser inviável eventual aplicação do piso salarial da categoria dos engenheiros, previsto na Lei nº 4.950-A/66, a servidores públicos estatutários. A corte superior trabalhista decidiu que a remuneração dos servidores públicos só pode ser aumentada mediante lei específica e desde que exista dotação orçamentária, sendo inaplicável o piso salarial previsto na lei que rege a categoria profissional.
Por meio da Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 297, o TST fixou o entendimento de que o artigo 37, inciso XIII, da CF/88 veda a equiparação de qualquer natureza para o efeito de remuneração do pessoal do serviço público, sendo juridicamente impossível a aplicação da norma infraconstitucional prevista no artigo 461 da CLT quando se pleiteia equiparação salarial entre servidores públicos, independentemente de terem sido contratados pela CLT.
O Crea-PR já manifestara o entendimento de que o salário mínimo profissional regulamentado pela Lei Federal n.º 4.950-A/66 é aplicável aos profissionais contratados sob regime celetista.
O Acórdão n° 1855/10 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta n° 443246/09) dispõe que a isonomia automática não procede; e que a fixação de vencimentos deve ser pautada na natureza das atividades, no grau de responsabilidade e na complexidade dos cargos componentes de cada carreira.
O Acórdão n° 273/16 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta n° 289788/15) estabelece que os valores pagos a título de vencimentos aos servidores públicos do Poder Legislativo não poderão exceder os valores pagos aos servidores do Poder Executivo para os cargos assemelhados, uma vez que o artigo 37, XII, da Constituição Federal cria um limite, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal.
O Acórdão nº 1843/19 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 608708/17) estabelece que não é possível a fixação de verba remuneratória a servidores de câmara municipal por meio de simples remissão à lei de iniciativa do Poder Executivo, pois é necessária para tanto a edição de lei específica, nos termos da Constituição Federal.
O Acórdão nº 695/24 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 189963/22) expressa que a Lei Federal nº 11.738/08, que dispõe sobre o piso salarial nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, deve continuar sendo usada pelos entes federativos como referência para a fixação e reajuste do piso nacional dessa categoria profissional, estabelecido pela Lei nº 14.113/20, até que sobrevenha nova lei específica para regulamentar o tema, nos termos do artigo 212-A, XII, da Constituição Federal.
O Acórdão nº 28/23 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 148094/22) dispõe que o ente público pode realizar o pagamento do piso salarial do magistério com fundamento na Portaria nº 67/22 do Ministério da Educação (MEC), em razão da presunção de constitucionalidade dos atos normativos. Portanto, a princípio, tal reajuste não configura desrespeito às disposições do artigo 212-A, inciso XII, da Constituição Federal, a não ser que seja reconhecida a violação em sede de controle de constitucionalidade.
Decisão
Em seu voto, o relator do processo, conselheiro Augustinho Zucchi, afirmou que não é legal e não é dever do município realizar a equiparação do salário de servidores públicos estatutários ocupantes dos cargos de engenheiro e arquiteto ao piso nacional, estabelecido pelas leis nº 4.950/66 e nº 5.194/66, conforme exige o Crea-PR, nos termos dos julgamentos da ADPF nº 149 e da Representação nº 716/DF do STF, da instrução da CGM e do parecer do MPC-PR.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, por meio da Sessão de Plenário Virtual nº 3/25 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 27 de fevereiro. O Acórdão nº 463/25, no qual está expressa a decisão, foi disponibilizado em 14 de março, na edição nº 3.403 do Diário Eletrônico do TCE-PR. O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 25 de março