Dom João Carlos Seneme, Bispo da Diocese de Toledo. Foto: Divulgação

Nos últimos domingos, o Evangelho apresenta uma série de uma série de impossibilidades. Cada uma delas vem do capítulo 10 de Marcos: casamento sem a opção de divórcio (10,1-12); os ricos entrando no Reino de Deus facilmente (Mc 10,17-31); e uma peregrinação a Jerusalém sem medo de perseguição (10,32-34). Em resposta a isso, os discípulos, compreensivelmente confusos, se perguntam: “Então, quem pode ser salvo?” (Mc 10, 26). À medida que o grupo segue Jesus ao longo do “caminho”, eles se aproximam cada vez mais do lugar onde seu mestre será finalmente condenado à morte em Jerusalém.

O cego, chamado Bartimeu na leitura do evangelho deste domingo (Mc 10,46-52), está no meio da multidão que se dirige a Jerusalém. Bartimeu quer ver Jesus e grita para chamar sua atenção: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” (Mc 10,47). Bartimeu deseja “ver” e, no entanto, ainda com a visão limitada, reconhece a autoridade real e divina de Jesus. Bartimeu tem sua visão restaurada e é capaz de seguir Jesus no caminho. No entanto, ele não foi solicitado a segui-lo e a tomar a difícil decisão de ir a Jerusalém, onde Jesus aguarda sua perseguição e morte. “Vai”, diz o Mestre, “a tua fé te salvou” (Mc 10,52). Bartimeu decide segui-lo mesmo assim. Ele se torna um grande modelo de fé: visão e coragem sem certeza.

Esta passagem fecha o capítulo das impossibilidades e a próxima cena leva Jesus para a narrativa da Paixão. A multidão o seguirá até Jerusalém, mas se dispersará. O que inspira na leitura deste domingo é o exemplo de Bartimeu em sua escolha de seguir, mesmo quando ele tem a opção de ir embora, depois que recebeu a graça da cura. Sua deficiência serviu como força e exemplo para outros seguirem porque testemunharam a cura que Jesus realiza nesse homem cego com uma fé profunda. O encontro entre Jesus e Bartimeu revela bem o sentimento da segunda leitura deste domingo: “Ele é capaz de lidar com paciência com os ignorantes e errantes, pois ele mesmo é cercado pela fraqueza” (Hb 5,2). Quando se trata de fé, os fiéis são encorajados a seguir a jornada juntos, como uma multidão. Tudo o que temos se coloca a caminho, seguindo, mesmo com todas as nossas limitações.

O evangelho de São Marcos não idealiza os discípulos. Em suas páginas, muitas vezes é evidente que é difícil compreender os ensinamentos de Jesus. Em contraste, aparecem personagens secundários que são apresentados como modelos de discipulado. É o que vimos acontecer com Bartimeu, que estava sentado à beira da estrada. Mesmo sem ver Jesus, este homem cego reconhece Jesus com o título messiânico de «Filho de Davi». Ele insiste até ser chamado, deixa de lado o pouco que possuía, é curado e segue o Mestre até Jerusalém.  Bartimeu não deixa apenas de ser cego, conforme havia pedido, como também deixa de ser mendigo e passa a seguir Jesus como discípulo. Não importa se nos sentimos marginalizados na vida, se estamos atentos ao modo como o Senhor passa pela nossa existência, também podemos clamar a Ele, ouvir o seu chamado, nos levantar novamente e reiniciar o acompanhamento. O pedido do cego deve ser a constante oração da Igreja, a verdadeira oração do discípulo: “Mestre, que eu veja” (Mc 10, 51).

Dom João Carlos Seneme, css

Bispo de Toledo