Dom João Carlos Seneme, Bispo da Diocese de Toledo. Foto: Divulgação

Um tema comum nas Escrituras é a promessa de que todas as coisas um dia serão reveladas. O que hoje não podemos compreender virá à luz no tempo devido. A palavra de Deus tem o poder de revelar os verdadeiros desejos do coração humano e desafiar a imaginação de como as coisas deveriam ser. A segunda leitura (Hb 4,12-13) tenta explicar isso: “A palavra de Deus é viva, eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes. Penetra até dividir alma e espírito, articulações e medulas” (Hb 4,12). Existe algum espaço entre as articulações e as medulas? Provavelmente não muito. Em Hebreus, a Palavra de Deus é Jesus, o Logos, que atravessa aqueles espaços dentro de nós que às vezes escondemos até de nós mesmos. “E não há criatura que possa se ocultar diante dela. Tudo está nu e descoberto aos seus olhos, e é a ela que devemos prestar contas” (Hb 4,13).

Chegar ao cerne das perguntas mais fundamentais pode nos ajudar a alcançar um lugar de liberdade e cura; é o que revela a boa-nova compartilhada no Evangelho deste domingo (Mc 10,17-30). 

O homem rico tinha tudo o que desejava, incluindo riqueza, amor a Deus e um forte desejo de crescimento espiritual. É por isso que ele se aproximou de Jesus e reconhece sua sabedoria, “Bom mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” (Mc 10,17). Sua pergunta era sincera, revelada por sua postura corporal ao se ajoelhar diante de Jesus. Certamente Jesus o ajudaria a se tornar ainda melhor aos olhos de Deus. Porém nenhum dos mandamentos bíblicos que Jesus recorda satisfaz o jovem rico, “Mestre, tudo isso eu tenho observado desde a minha juventude” (Mc 10, 20).

O que acontece em seguida penetra até o mais íntimo daquele homem. Um olhar amoroso de Jesus é seguido por um pedido para que ele renuncie a todos os seus bens em benefício dos pobres e o siga depois. Esse era literalmente o crescimento espiritual de que o homem precisava, mas não o que ele queria. “Quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico” (Mc 10, 22). A simplicidade da história não oculta a profundidade de sua revelação: o homem está espiritualmente preso e sabe disso. Ele toma consciência que ele não possuía suas posses, mas suas posses o possuíam. Sua falta de liberdade é exposta, por isso ele vai embora entristecido.

O homem rico, enquanto se afasta triste, toma consciência de uma lição que só aprenderá com o tempo. A única coisa que importa para uma criança é ser amada e viver essa verdade. Esperemos que um dia tenhamos a mesma experiência daquele homem ao se encontrar Jesus. Por um breve instante ele foi abraçado pelo amor: “Jesus olhou para ele com amor” (Mc 10,21).

Jesus nos oferece critérios importantes para o bom uso dos bens. Primeiramente afirma o primado de Deus e seu reino, sublinhando que as riquezas podem se tornar um obstáculo para nosso relacionamento com Deus e com o próximo.

O modo de colocar em prática as exigências do Reino é aberto: deixar tudo para seguir Jesus para alguns significa renunciar a qualquer bem temporal; para outros ele está na partilha de vida e bens com os mais pobres; para outros ainda se encontra na vida em família com tudo o que ela exige. A radicalidade da sabedoria evangélica não se traduz em um único modelo bom para todos. Deus encontra sempre um caminho para alcançar o ser humano em suas mais diversas situações. É necessário somente a sabedoria do coração, que sabe reconhecer em Deus a verdadeira e única riqueza em condições de satisfazer a sede do ser humano. 

Dom João Carlos Seneme, css

Bispo de Toledo